Sortilégios | Crônica de Dias Campos

 por Dias Campos__


Foto de Pinar Kucuk na Unsplash


      Em uma pizzada na casa de amigos, no último sábado, o bate-papo migrou para a vida dos casais; mais precisamente sobre as eventuais mudanças que um dos parceiros teria imposto ao outro nos primeiros meses após o casamento. 

Pode parecer clichê, amigo leitor, mas constatamos que apenas os homens foram obrigados a modificar os seus hábitos. Assim, a tampa do vaso sanitário passou a ser abaixada depois do uso; a roupa suja não mais foi esquecida no chão do banheiro; e, sobretudo, a louça das refeições ficou a cargo de ambos os cônjuges. — Você pode não acreditar, mas só me enquadro nesta última situação.

Conversa vai, conversa vem, e acrescentei três manias que, por serem as mais enraizadas, só poderiam ter sido modificadas por um poder além da imaginação, e que nunca me foi revelado.

Nem se precisaria dizer que todos os olhos, interjeições e questionamentos voltaram-se para minha mulher.

Ela caiu na risada. E fazendo-se de mística, recusou-se a contar quais teriam sido os feitiços que me lançou tão logo voltamos da lua de mel.

Então pediram para que eu contasse sobre minhas transformações. 

É claro que me divertia com a reação de todos. E fui buscar em mais um gole de tinto o tempo necessário para que a curiosidade aumentasse.

Pois coloquei a taça sobre a mesa, inspirei profundamente, e disse que sempre achei um absurdo ver gente colocando pimenta na própria comida. Não conseguia entender como alguém poderia gostar de sentir a boca pegando fogo. Da mesma forma, tomar sopa não fazia o menor sentido. Afinal, trocar o prazer de morder um suculento contrafilé pelo sacrifício de engolir legumes imersos em água fervente era, para mim, coisa de maluco. Por fim, terminada a refeição, não tinha como aceitar que pessoas preferissem substituir a deliciosa lembrança da última garfada, seja a do prato principal, seja a da sobremesa, por uma xícara de café para lá de quente, com ou sem açúcar. – Só um colega concordou comigo, e foi quanto à repulsa pela sopa.

Seja como for, a única explicação aceitável é a de que minha esposa teria conjurado sortilégios poderosíssimos, pois desde aquele momento o meu paladar simplesmente mudou, e eu não consigo mais comer bifes que não tenham sido temperados com pimenta; não deixo passar todo o inverno sem apreciar a calórica sopa de cebolas à francesa; e me recuso a levantar da mesa, acabada a refeição, sem sorver um cafezinho recém-passado e muito bem adoçado!

Mesmo por entre palmas, assobios e insistentes pedidos para que revelasse o seu segredo, minha mulher recusou-se peremptoriamente. E a justificativa foi a de que eu poderia recair naquelas esquisitices de solteiro. – Mas falou baixinho que depois enviaria a receita por WhatsApp.

E como continuei sem saber o que ela teria feito, o jeito foi abrirmos mais uma garrafa de vinho, brindarmos aos mistérios femininos, disputarmos no palitinho a última fatia de pizza, e escolhermos outra brincadeira, pois a noite apenas começava.

Quem sabe um dia ela me conta?…






Dias Campos, paulistano da gema, é romancista, contista e cronista. Entre outros títulos, destacam-se o de Embaixador da Paz, pela Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos - OMDDH, o de Embaixador da Literatura, pela Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciência - COBLAC, o de Ambassadeur Honneur et Reconnaissance aux Femmes et Hommes de Valeur, pela Luminescence Académie Française des Arts, Lettres et Culture-Literarte, e o de Embajador de la Palabra, pela Asociación de Amigos del Museo de la Palabra. É vencedor de muitos Prêmios Literários, membro de diversas Academias Literárias e Colunista e Colaborador de várias Revistas, Jornais e Blogs Literários.