Améfrica celebra resistência afroindígena e propõe novas narrativas contra a dominação colonial

por Taciana Oliveira__



Lançamento do livro "Améfrica" celebra resistência afroindígena e propõe novas narrativas contra a dominação colonial

No dia 20 de setembro, às 19h, a Livraria Ponta de Lança, em São Paulo, será palco do lançamento de "Améfrica”, obra organizada por Eugênio Lima e Majoí Gongora. O livro, publicado pela editora N-1, traz textos inéditos do projeto Diálogos Amefricanos e conta com a participação de importantes vozes como Renata Tupinambá, Roberta Estrela D’Alva, Márcio Goldman e Cacique Babau. O evento contará com performances musicais e poéticas, com um pocket show de Luz Ribeiro e Felipe Parra, e discotecagem especial de Eugênio Lima.

O conceito de "Amefricanidade", criado por Lélia Gonzalez, permeia a obra e procura questionar as narrativas coloniais tradicionais, celebrando as trajetórias de resistência dos povos negros e indígenas. Segundo Eugênio Lima, o livro reflete sobre as diversas maneiras de recontar a história da América Latina a partir da perspectiva afroindígena, destacando os legados culturais e históricos que moldam a sociedade amefricana até hoje.

Além de textos inéditos, "Améfrica" incorpora reflexões e dramaturgias ligadas ao espetáculo "Améfrica: Em Três Atos”, encenado pelo Coletivo Legítima Defesa. A peça, que passou por temporadas no Sesc Pompeia e no Sesc Copacabana, investiga as confluências entre as trajetórias negras e indígenas, abordando as lutas por território e memória, e a constante busca por dignidade e liberdade diante do racismo estrutural e da violência colonial.

O lançamento de "Améfrica" representa a oportunidade de conectar-se com a produção intelectual e artística que, através da arte, da poesia e da música, propõe a reescrita das histórias da América Latina por meio das vozes afroindígenas silenciadas.

A seguir, entrevista com Eugênio Lima, organizador da obra:



1 -  O conceito de "Amefricanidade", cunhado por Lélia Gonzalez, é central em seu livro Améfrica. De que forma você enxerga a aplicação desse conceito nas lutas contemporâneas dos povos negros e indígenas no Brasil e no continente?


As narrativas contidas no livro “Améfrica” podiam ser divididas em três pontos fundamentais:

1) A primeira é pensar o mundo à luz dos agenciamentos feitos entre os povos da diáspora negra e os povos originários sem necessariamente a mediação dos brancos e dos colonizadores, ou seja, essas alianças elas datam muito tempo antes da colonização. Como exemplo disso, temos o livro feito por Ivan Van Sertima, na década de 70, chamado "They Came Before Columbus: The African Presence in Ancient America", ou seja, eles vieram antes de Colombo, que conta sobre a presença Africana nas Américas séculos antes da chegada dos colonizadores, ou no nos relatos da bell hooks falando da sua avó indígena e a relação entre a ancestralidade indígena e ancestralidade dos povos diaspóricos, e tudo que elas têm de comum, e isso tudo está contido no conceito de Amefricanidade, da nossa querida e amada Lélia Gonzalez, que é um dos pontos centrais como você observou na  estrutura do livro. 


2) Neste sentido o conceito de Amefricanidade, é de onde retiramos os conceitos fundamentais, para falar das relações de sabedoria, de aliança e de construção de presentes e futuros no agenciamento entre os povos da diáspora negra e os povos originários, este seria o segundo ponto fundamental.


3) E por fim, a outra coisa que é fundamental é você tirar o véu do esquecimento das narrativas que foram soterradas pela história oficial e colocar elas à luz do tempo presente.

Eu acho que esses são os fundamentos presentes no livro em confluência com as lutas do dos povos negros e indígenas no Brasil, e no continente Améfricano nos dias de hoje.


2 - O livro Améfrica busca recontar a história do continente a partir das perspectivas das diásporas africanas e indígenas. Como foi o processo de organização dessa obra e o que mais te surpreendeu durante a criação?


Como eu citei acima acho que mais impressionante foi perceber que os agenciamentos feitos entre os povos da diáspora negra e os povos originários datam de muito tempo antes da colonização, ou seja, eles, os povos africanos, realmente vieram antes de Colombo, essa presença Africana nas Américas séculos antes da chegada dos colonizadores. Eles não revindicaram terras, nãos escravizaram e nem tinha como doutrina a ideia de descoberta, eles tinham o culto aos ancestrais como uma coisa em comum com povos originários. Como diz bell hooks, “os nossos mortos nos conclamam a lembrar.”


3 - A dramaturgia do espetáculo Améfrica: Em Três Atos explora as confluências entre as trajetórias negras e indígenas. Quais foram os maiores desafios na direção desse espetáculo e como essas tensões são abordadas de forma artística?


O maior desafio foi pensar e abordar a nossa história sem a presença do homem branco, como elemento sobrecodificador, pensar a cena sem essa mediação quase onipresente dos branques, nesse sentido a dramaturgia, a proposta estética, a elaboração e a execução do espetáculo nos faz refletir sobre as diversas formas de contar a história da sociedade brasileira e do continente Amefricano. Nosso continente foi nomeado por um colonizador, em homenagem a Américo Vespúcio, mas antes era Abya Ayala, e ele contém outras narrativas incríveis, que não podem ser e não foram reduzidas ao massacre colonial. Histórias tanto dos povos originários quanto dos povos da diáspora negra, que em luta, em resistência, em confluência e em retomada, sustentaram e sustentam a contracolonização. Esses conceitos são um legado de um pensamento dos povos da diáspora negra, quanto do pensamento dos povos originários. Nós do Coletivo Legítima Defesa colocamos esses legados em relação, isso é, na verdade, a grande beleza do espetáculo: juntar a confluência, que o Nego Bispo sempre falava, ideias confluentes que podem estar em espaços diferentes, mas têm princípios comuns e a ideia da Retomada dos Tupinambás, pois ao retomar a terra, você retoma a história, você retoma ancestralidade, você retoma a sua espiritualidade e principalmente retoma sua capacidade de criar futuros. Talvez a ideia de Confluência na Retomada sejam os pontos mais fundamentais do espetáculo.


4 - O lançamento do livro inclui performances de Luz Ribeiro e Felipe Parra, além da sua discotecagem. Qual a sua visão sobre a integração entre música, poesia e as discussões presentes na obra em uma celebração cultural desse tipo?


Na base da criação do Coletivo Legítima Defesa, está a ideia e prática das múltiplas linguagens, este é um dos fundamentos do coletivo presente no espetáculo Améfrica. Então, a união de música, poesia, textos de teóricos afrodiásporicos, artes visuais e dimensões políticas são a base da nossa linguagem, nela estas dimensões artísticas estão integradas numa perspectiva negra e afrodiásporica


5 - No livro, você fala sobre a luta dos povos negros e indígenas contra o genocídio e o racismo estrutural. De que forma você acredita que essa resistência cultural pode continuar a inspirar futuras gerações na busca por dignidade e liberdade?


Recontar a história quantas vezes forem necessárias para retirar o esquecimento imposto pelo sistema colonial, racista e colocar nossas histórias libertas do julgo colonial à luz do tempo presente, ou seja, a gente convoca a ancestralidade para cuidar da nossa vida e também para lutar juntes, não só o mundo dos vivos, mas também o mundo dos ancestrais. Lutamos para que haja futuro.



Serviço: Lançamento do livro "Améfrica" Data: 20 de setembro Horário: 19h Local: Livraria Ponta de Lança — Rua Aureliano Coutinho, 26, Santa Cecília, São Paulo Participações: Eugênio Lima, Coletivo Legítima Defesa, Luz Ribeiro, Felipe Parra e DJ Eugênio Lima



Eugênio Lima — Dj, Ator-Mc, Diretor, Pesquisador da cultura afro diaspórica, Membro Fundador do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e da Frente 3 de Fevereiro e Diretor do Coletivo Legítima Defesa. Ganhador de inúmeros prêmios: Prêmio Shell de Teatro de melhor Música 2020 por “Terror e Miséria no Terceiro Milênio”; Prêmio Governador do Estado 2014 com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos por “Antígona Recortada: Contos Que Cantam Sobre Pousos Pássaros"; Prêmio Shell de Teatro de melhor Música 2006 por "Frátria Amada Brasil: Pequeno Compêndio de Lendas Urbanas” e Prêmio do Coca Cola/FEMSA 2004 de melhor música pela peça “Acordei que Sonhava”.






Taciana Oliveira — Natural de Recife (PE), Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo” Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.