por Mirada__
A ideia para o livro surgiu de uma experiência pessoal dolorosa. Em 2018, sua avó materna sofreu uma queda em seu quintal e não conseguiu se levantar sozinha. Este evento marcou profundamente o autor, que revisitou essa memória em um dos contos da coletânea, onde uma idosa enfrenta o peso de sua incapacidade física. Essa fragilidade, associada à solidão, permeia os contos do livro, conectando-os por um fio invisível que se manifesta em diferentes formas de silêncio.
O livro De repente nenhum som, de Bruno Inácio, tem recebido elogios entusiasmados de alguns dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Na orelha da obra, a escritora Marcela Dantés ressalta: "Bruno Inácio entende que a força pode residir no silêncio, no miúdo, na costura bonita das linhas das mãos de personagens que são assim: da ordem do dia, mas, também, da ordem do impossível."
Monique Malcher, escritora e antropóloga, também dedica palavras elogiosas ao livro no prefácio. Ela destaca a presença marcante do silêncio nas narrativas: “O escritor dos contos deste livro se ergue das ausências. É o avesso que salta aqui nas escritas de Bruno Inácio em De repente nenhum som. Silenciar não é se recusar a falar, é o fazer de outro modo. Ler essas páginas lhe fará crer que o silêncio acalenta e também invade, mas acima de tudo… inaugura."
Cada conto da coletânea aborda o silêncio de maneiras diversas. Em "A Porta Amarela", o protagonista se isola em sua casa, convencido de que o mundo lá fora é cheio de perigos, enquanto seu silêncio interno revela uma angústia profunda. Em Céu de Ninguém, inspirado na queda da avó de Bruno, o silêncio da protagonista diante da humilhação da velhice é retratado com crueza e sensibilidade.
Nascido em Ituverava (SP) e radicado em Uberlândia, Bruno Inácio já lançou outros dois livros e colabora com diversas publicações literárias. Em De repente nenhum som, o autor dedicou-se intensamente ao uso da linguagem, tratando-a como uma personagem central em suas histórias. Com frases curtas e uma pontuação que cria espaço para pausas e silêncios, ele constrói narrativas que carregam tanto o subtexto quanto a beleza poética do não dito.
Seu próximo projeto literário envolve a escrita de um romance sobre o reencontro de duas irmãs separadas por anos de silêncio, em meio a uma situação inesperada que flerta com o surrealismo. A expectativa é que Bruno continue a explorar a profundidade das relações humanas, sempre com sua assinatura única, onde o silêncio é tão revelador quanto as palavras.
Trechos de contos de “De repente nenhum som”
1 — Urgência de Aspas
E a pontuação muda e ganha urgência e os pontos desaparecem de uma hora para a outra como se fossem dispensáveis como se fossem mero capricho de quem escreve sem ter o que contar sem ter personagens devidamente construídos sem planejar histórias em três atos ou um clímax para uma situação que já beira o absurdo justamente por tentar se passar por inédita depois de ter acontecido tantas e tantas vezes na literatura e no teatro e no cinema e nas conversas de bares e cozinhas ainda que agora tenha sido interrompida pelo barulho de um prato que caiu e se despedaçou e trouxe os dois de volta ao cotidiano.
2 — A porta amarela
Há, na solidão, um charme irresistível. Ribeiro finge acreditar nisso. Especialmente aos domingos. Escolhe mais por coragem do que por medo. Ainda que abraçado a privilégios e falsas garantias. Não se adequa às expectativas nem se quebra pelos cantos.
3 — Céu de Ninguém
Esperar é inútil.
Sempre tive de me virar. Me bastar. Me entender. Sempre tive que me abraçar quando tudo despencou. E agora, que eu mesma despenquei, não vai ser diferente. Não vai me doer menos.
Ruptura é uma palavra que sempre me acompanhou. Mas me separar de mim mesma já é demais. Inconcebível. Incalculável. No máximo, tema de uma poesia qualquer… Daquelas escritas aos domingos, quando nada mais pede sentido.