Despedidas | Crônica de Sheila Carvalho

por Sheila Carvalho_


Eu não achei que fosse doer tanto. De repente, estou aqui sentada no meio fio do Galeão tentando segurar as lágrimas a me inundar e transbordar, pelas quais se esvaem todas as palavras não ditas, os abraços e beijos que ficaram para depois. Não deu tempo.

Mas logo vêm o ônibus. Me levanto e dou sinal. Enxugo as lágrimas e tento disfarçar a cara de choro ao dar boa tarde ao motorista e me ponho a escolher o melhor lugar em um ônibus vazio. Escolho daqueles bancos individuais, para que possa retomar o choro em paz, sem a chance de um outro passageiro, ombro a ombro, testemunhar a minha dor. A vida metropolitana tem disso: a gente pode até sofrer, mas estamos sempre atentos à hora do rush. Se vier o ônibus, junta os cacos e nele adentra. Afinal de contas, é melhor sofrer em movimento do que parada na Ponte Rio-Niterói — o que seria mais um motivo para chorar.

Então me acomodo nesse banco, que me abraça, e repouso a cabeça na janela para facilitar o escoar das lágrimas. Cena clássica de choro num coletivo. No fone, o novo álbum da Liniker a me embalar, dizendo “Quero saber se você vai correr atrás de mim num aeroporto pedindo pra eu ficar, pra eu não voar…” Curiosamente, desde o lançamento desse álbum, há uns dez dias, não ouço outra coisa. Sua voz de “veludo marrom” parecia me acolher e me preparar para essa despedida desde então.

O ônibus, popularmente conhecido como “cata corno”, demora uma eternidade dando voltas no Fundão, parando em todos os pontos do Campus Universitário, até enfim conseguir chegar à Avenida Brasil. Até que a Ponte não estava tão ruim, mas até lá, se passou uma hora, na qual verti todo meu estoque de lágrimas. Antes do Vão central, o rosto havia secado. Quem mora do outro lado da poça, tem isso: uma sensação de alívio ao subir a ponte. Estando livre então — uma raridade —, ameniza qualquer tipo de dor.

Demoraram duas horas até que conseguisse chegar à casa. Nesse meio tempo, trocamos mensagens, lamentando o fato de não termos conseguido nos despedir direito devido ao atropelo cotidiano. Mas seu voo atrasou e, por fim, enquanto desembarcava do segundo ônibus, tive a notícia de que seu voo havia sido cancelado e remarcado para o dia seguinte. Mais vinte e quatro horas! Que alegria! Nunca um voo cancelado foi tão comemorado!

Então cheguei, tomei um banho, botei os pés para o alto por dez minutos, peguei a chave do carro e fui te buscar no aeroporto novamente. Não podia perder nem mais um minuto, o destino nos deu uma nova oportunidade de despedida. Então dirigi como quem corre para um abraço, sem acreditar e agradecendo por essa nova chance.
No reencontro, sorrisos rasgados, corações apaixonados e sucessivos toques na pele para conferir que era real. Era tempo de uma despedida longa e com calma. Teve pizza, conversa, e chegou a vez daqueles abraços e beijos não dados lá no início desta crônica. Uma última noite “morando dentro da concha do teu abraço” — como cantou Liniker — antes da sua partida. Adormeci sentindo o cheiro das suas costas e o calor do seu corpo, guardando na memória da pele aquele momento para revisitar nos próximos quatro meses em que você não estiver aqui.

Chegou o dia da despedida de fato. Com o coração mais calmo, fizemos tudo devagar. Deu até tempo de você se despedir das minhas alquimias culinárias, em um almoço preparado com muito amor e carinho, cozido em fogo baixo. No aeroporto, tudo fluiu melhor do que no dia anterior. Os astros estavam alinhados para a sua partida num céu de brigadeiro. É claro que teve choro na despedida novamente. Mas não teve pausa no meio fio e nem choro no coletivo. Vinte quatro horas depois, a experiência da partida era outra. Agora você deixava comigo uma parte de você e levava uma parte de mim consigo, combustível para queimar nos momentos de saudade até o seu retorno. Já não há mais dor nem pesar, só o amor, a saudade e o desejo de uma boa viagem.



Sheila Carvalho
 é uma carioca de nascença, criada em Niterói e moradora de São Gonçalo. É cronista, geógrafa, professora de geografia e pesquisadora de doutorado interessada em abordagens geoliterárias, especialmente nas geografias machadianas na cidade do Rio de Janeiro. Gosta de música, de plantas, de pôr do Sol, de rua e gentes; e de observar e escrever sobre as sutilezas e pequenices cotidianas.