Final infeliz | Crônica de Renata Meffe

 por Renata Meffe__


Foto de Mika Baumeister na Unsplash


Filme de terror: mais de 700 mil mortos só no Brasil. Fora as consequências da Covid longa que, estima-se, impactam a vida de cerca de 400 milhões de pessoas no mundo, segundo relatório publicado na revista Nature. 


     Pese as sequelas, e embora o vírus continue circulando, a história da pandemia propriamente dita acabou. Pelo menos a primeira parte. Fim. The end. Sobem os créditos. Mas e as cenas do pós-créditos? 


     O que será que aconteceu com aquela coach de bem-estar que, no auge das contaminações e mortes, fazia lives exaltando o poder preventivo da Ivermectina? O bem-estar dela tá ótimo. Está em todas. E cheia de bens. Depois de saltar de milhares para milhões de seguidores nas redes sociais, hoje concilia as atividades de influencer antivax com a divulgação do jogo do tigrinho. 


     Enquanto isso, em Jaguaribe, o Flávio Vinicius sente um aperto no peito toda vez que perguntam se prefere água fria ou natural, lembrando que nunca mais ouvirá o avô, Francisco Airton, pedir sua água frappé, que é como ele gostava, uma água geladinha, mas nem tanto.


     E por onde anda aquele infectologista que ganhou notoriedade na CPI da Covid no Senado, defendendo tratamento precoce com cloroquina, indo contra todas as diretrizes da Organização Mundial de Saúde? Recentemente foi eleito pelos colegas para representar São Paulo no Conselho Federal de Medicina. A nova gestão da entidade reúne também uma médica que festejou os atos de 8/1 e o relator da norma contra o aborto legal após 22 semanas. Você compraria um estetoscópio usado de algum deles? 


      Já no Rio de Janeiro, close na Julia, que fica melancólica quando chega o fim de tarde, hora em que a prima Renata adorava tomar um Nescauzinho.


      E que fim levou o militar, suposto gênio da logística, então à frente do Ministério da Saúde? Aquele que deixou as pessoas morrerem em Manaus por falta de oxigênio? (Seu paradeiro serviria para atrair clicks, no estilo ¨Se lembra do Pazuello? Você vai ficar chocado em saber como ele está agora”). É atualmente deputado federal pelo Rio de Janeiro. Foi o segundo mais votado do estado onde a Julia toma achocolatado sozinha. 


     Corta pra São Lourenço da Mata: os amigos do Agenor Vicente tendo que tocar a vida, longe do afeto do motorista de coletivo conhecido por usar a mesma frase típica a cada vez que se despedia: ¨Tchau, um beijo do tamanho do mar.¨


     E o presidente da república, que falava que Corona vírus era só uma gripezinha, enrolou pra comprar vacinas, passeava por Brasília sem máscara e espalhava desinformação, inclusive associando a vacinação ao aumento do risco de HIV? Mesmo tendo roubado aí umas jóias e promovido aí um golpe de estado, Bolsonaro ainda tá solto, bem soltinho. 


   Isso sem contar o Trump. Negacionista de primeira hora, com grandes chances de em breve voltar à presidência dos Estados Unidos.


    Assim termina a sessão. Acendem-se as luzes. De emergência.







P.S. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real não terá sido mera coincidência. Um pouco das jornadas do Francisco Airton de Souza, da Renata Barra Pimental e do Agenor Vicente do Nascimento integram o acervo do Inumeráveis (inumeráveis.com.br), memorial dedicado à história de cada uma das vítimas do coronavírus no Brasil.





Renata Meffe 
- Jornalista, fotógrafa, documentarista, tradutora, professora & cronista. Sim, somente atividades altamente rentáveis. Escrevo ensaios que jamais estreiam.