por João Gomes da Silva__
Porque no Brasil nada é banal demais para não virar ícone. Nós não só glorificamos o absurdo, o colocamos em um pedestal, batemos palma e ainda chamamos de arte. Quer briga eleitoral? Seja um meme. Quer se destacar na literatura? Escreva sobre cadeiras. E quem diria, não? Aquele romance profundo, cheio de camadas existenciais, foi substituído por contos sobre a mobília revoltada.
Deste modo, a cadeira se revela protagonista de contos, crônicas, análises filosóficas e até de bate-bocas sobre democracia. O poder da cadeira, gente! Não estamos mais falando do povo, de candidatos, de propostas, de escândalos — isso é coisa do passado. Agora a discórdia se resume a: qual modelo de cadeira você usaria para resolver um debate? Poltrona clássica? Cadeira de escritório ergonômica? Um banquinho de plástico daqueles de boteco, que aguenta porrada tanto quanto uma briga de bêbado?
A cidade de São Paulo transformou a cadeira em arma política. Literal e metaforicamente. No calor da disputa, com os ânimos exaltados e a democracia virando de ponta cabeça, alguém — no caso, o candidato a prefeito, Datena — achou que uma cadeirada resolveria o problema. Não há argumento, retórica, ou carisma que vença uma cadeira no meio da fuça. Isso virou a resolução final, o grand finale do debate. Não precisou de mais nada. O impacto, ali ao vivo, ao som de câmeras piscando, símbolo de que, na falta de ideias, a violência sempre pode ser usada como argumento.
E foi o que chocou menos do que deveria. Porque a política já é tão farsesca, tão teatral, que isso já não nos surpreende. O Brasil é assim: a gente se acostuma com o absurdo e, ainda por cima, ri dele. Porque se você não rir, você chora — ou, no caso, apanha de cadeira. Lançada em Pablo Marçal, adicionou mais um capítulo aos folclóricos eventos inesperados da campanha eleitoral na cidade de São Paulo. Enquanto alguns rapidamente compararam o incidente à facada sofrida por Bolsonaro, apostando em um aumento meteórico nas intenções de voto do candidato Marçal, o desfecho das últimas pesquisas conta uma história diferente. Em vez de ascender, ele enfrentou um declínio, ainda que moderado, em sua popularidade.
Sua esperança de reverter esse quadro residia nas redes sociais, mas até mesmo esse espaço foi prejudicado com o cancelamento de alguns de seus perfis por financiar ilegalmente o pleito. Coach, influenciador, empresário de sucesso, motivacional até os ossos. A propaganda é clara: empresário bem-sucedido, conservador, defensor da família e de Deus — porque sem a combinação mágica “família, Deus e conservadorismo” a direita não consegue um número significativo de votos. Pablo Marçal não é só mais um coach de palco. Ele é coach com um passadinho que não viraliza no Instagram.
Foi nesse cenário que ele viu nos debates a oportunidade ideal. Sua estratégia? Não se comportar como um político tradicional, mas sim como um disruptor, utilizando o choque e a ofensa como armas para se destacar. A campanha virou uma grande palestra de coaching ao vivo, com direito a frases de efeito como “Viva o impossível” ou “Quem não quer mais, nunca terá mais”. Marçal, claro, segue repetindo que resolverá os problemas da cidade com a mesma energia com que ensina seus seguidores a serem ricos e bem-sucedidos. O mesmo guru motivacional que achou uma boa ideia subir a Serra do Mar com um bando de seguidores despreparados? Porque é isso que ele oferece: não soluções para uma gestão pública eficiente, mas a ideia de que, com fé, tudo é possível.
Gosto de pensar na cadeira como uma espécie de metáfora. Ela sempre esteve ali, suportando nosso peso, sendo ignorada, ocupando aquele espaço sem ser notada. E de repente, estoura na cara de todo mundo. Não é exatamente isso que acontece com a política? Vamos empurrando, ignorando, até que, um dia, a realidade nos atinge com força. E aí, o que sobra é seu desespero. Se a verdade é uma faca de dois gumes, a cadeira é um golpe de sinceridade em madeira maciça.
E os escritores, claro, não perderam tempo. Quando perceberam que até uma cadeira viralizava, começaram a escrever sobre ela. Porque nada escapa ao radar do mercado literário. Qualquer oportunidade de transformar algo em símbolo, em arte, em manifesto, está valendo. E agora assistimos poetas e romancistas se perguntando: por que não pensei nisso antes? Por que não me ocorreu que uma cadeira fosse o objeto de desejo da vez? Enquanto uns escrevem sobre paixões avassaladoras, os novos ícones literários falam sobre o seu impacto no cenário político.
No fim, aos escritores sempre cabe a parte mais ingrata: transformar o som de uma cadeira quebrando em pura metáfora. Quem diria que a fina literatura, essa velha dama em constante renovação, seria sacudida por uma mobília? Quem ainda fala de flores, quando há cadeiras voadoras por aí? Esqueça aquela prosa introspectiva que você passou meses refinando. Se você não escrever nada sobre cadeiras, ficará talvez de fora do jogo da atenção efêmera.
Logo, esse objeto inanimado é mais estável que a nossa política. Ela, pelo menos, cumpre sua função. Firme ou não, está sempre ali para te amparar por baixo, te segurar quando o mundo está caindo ao redor. Até que, um dia, ela se rebela e se transforma em símbolo de resistência, de desespero, de um regime que só funciona na base da porrada. E alguns escritores e produtores de conteúdo das novas mídias, claro, vão em cima feito urubus em um churrasco de domingo.
Em meio a tudo isso, as cadeiras continuam viralizando. Seguimos dançando, fingindo saber onde sentaremos quando a música parar. No fundo, o que realmente importa é parecer que estamos no controle, mesmo quando tudo já escapou das nossas mãos. Se há algo que ainda não aprendemos, é que o essencial não é vencer, mas manter a ilusão de que ainda estamos no jogo. Às vezes, nos agarramos a qualquer distração que nos faça esquecer, ainda que por um instante, que o país está literalmente em chamas.