por Sheila Carvalho__
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São Gonçalo, 20 de agosto de 2024.
Hoje inauguro um bloco de notas, um caderninho, assim, bem bonitinho, para estimular minhas escrevescências e escrevivências. A letra não sairá grande coisa, sentada aqui no último banco do ônibus — aquele que, por alguma explicação da física, é o que pula mais. Assim, escrevo e rabisco em linhas sinuosas que preenchem o meu caminho até a escola em que trabalho. Ao fazê-lo, me lembro de Machado, que também aproveitava as viagens de bonde de seu movimento pendular para pôr no papel as suas reflexões cotidianas.
Hoje foi daqueles dias em que pareço ter começado com o pé esquerdo. Acordei cedo com a ideia de malhar, ir cedo para o trabalho para cedo retornar e, finalmente, começar a labutar em um artigo que estou protelando. Mas já nos primeiros atos da manhã, todo o meu planejamento se espatifou no chão, literalmente. Não sei se por distração, acaso, destino ou aviso, ao me levantar da mesa, levei comigo a toalha sobre a qual estava o meu café da manhã, cuidadosamente preparado. Cataploft! Apertei os olhos e, ao me virar para tomar ciência do estrago, estava o prato virado no chão, com batatas baroa e grãos de bico espalhados pela varanda.
Não sei do que me lamentei mais: se de ter perdido o café da manhã e ter que preparar outro; de ter que limpar a sujeira e com isso atrasar todo o meu dia, ou por ter lascado a borda do prato: um pratinho lindo, comprado na Mesbla, Deus sabe quando, relíquia de um jogo do qual restaram apenas três exemplares. De certo, minha mãe me aconselhar a jogar fora: “Não se guarda coisa quebrada!”, dirá ela, alegando que tal objeto atrasará a minha vida. Ora, contra fatos não há argumentos e eu não posso me dar a esse luxo, logo eu que já ando tão atrasada e correndo contra o relógio.
Me ponho a pensar se de fato o gracioso pratinho já não está a me atrasar, já que novamente fui traída pelo relógio e a sequência dos acontecimentos não saiu como planejado. O fato é que tal acontecimento me deixou com um tremendo mau humor e eu malhei na força do ódio. Quando fui fazer o “cardio”, todos os aparelhos estavam ocupados, o que me fez declinar da espera. Pensei em nadar. Pensei em fazer comida. Olhei para o relógio. Pensei. Mas como o ponteiro gira depressa e não é capaz de esperar uma decisão, nem uma coisa, nem outra. Me arrumei e vim para o trabalho.
O pratinho continuou suas peripécias e a viagem durou o dobro do tempo em virtude de uma grande obra que assola a cidade. Quando enfim consegui chegar à escola, a comida era pouca e tive que caminhar uma légua em busca de um novo prato de comida — que está a esfriar enquanto escrevo essas últimas linhas. Está decidido: Quando retornar à casa, o destino do gracioso pratinho será a lixeira. Afinal, que sentido faz preservar o passado e bagunçar o presente? Já dizia o dito popular: “vão-se os anéis, ficam os dedos” ou, em meu caso, vai-se o pratinho e fica a esperança de um relógio mais paciente, complacente e benevolente que me dê a mão para que eu consiga correr junto e acompanhar seu ritmo.