Poeta aclamada por Manuel Bandeira tem sua obra reeditada

 por Taciana Oliveira__





Celina Ferreira


Não me tocou levemente:

Tocou-me fundo,

Celina, a tua poesia,

Que me tornou para sempre

          seu cúmplice.


(poema presente em Estrela da vida inteira, de Manuel Bandeira)




Após 60 anos, “Rio do Sono", da poeta mineira Celina Ferreira, ganha uma edição individual pela primeira vez.



A poeta mineira Celina Ferreira, celebrada por grandes nomes da literatura como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna, finalmente ganha o reconhecimento merecido com a reedição de sua obra “Rio do Sono”. Publicado originalmente em 1965, o livro só foi lançado até então em uma edição conjunta com seus três primeiros trabalhos, intitulada “Hoje poemas”, pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Agora,  após quase 60 anos, “Rio do Sono” será lançado pela primeira vez em uma edição individual, pela Garoupa Editora.


Celina Ferreira, nascida em Cataguases, Minas Gerais, conquistou importantes prêmios literários ao longo de sua carreira. Ganhadora do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores (UBE), e de outros prêmios como o II Concurso de Poesia Feminina da Gazeta de São Paulo, ela também foi celebrada por sua produção para crianças, recebendo o Prêmio de Literatura Infantil do Estado da Guanabara e o Prêmio Brasília de Literatura Infantil e Juvenil.


Manuel Bandeira, um dos maiores poetas brasileiros, chegou a dedicar um poema a Celina e a incluiu em sua “Antologia dos Poetas Brasileiros: Fase Moderna”, organizada com Walmir Ayala. No entanto, apesar dos elogios de figuras tão ilustres, Celina foi esquecida com o passar dos anos, um destino comum a muitas autoras na história literária do Brasil.


Visando resgatar sua importância, a Garoupa Editora revisita “Rio do Sono” em uma nova edição, que inclui um prefácio da professora Anelia Pietrani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e orelhas assinadas pela escritora e doutora em Teoria e História Literária Luciana Lima Silva. O volume também conta com um texto biográfico e uma discussão sobre a relevância de editar a obra de Celina Ferreira atualmente.


O lançamento de “Rio do Sono” foi em 19 de setembro, no Alvenaria — Espaço Colaborativo, em São Paulo. Contou com leituras de poemas por Luciana Lima Silva e Marina Ruivo, editora da Garoupa, e de um pocket show da cantora e compositora Marina Melo. A obra será lançada no Rio de Janeiro ainda este ano, marcando um importante passo para o reconhecimento de Celina Ferreira no cenário literário contemporâneo.


Três poemas do livro "Rio do Sono"


Ciclo


Abelha ou amor.

O mel, o orgasmo

na flor.


No corpo, 

a medida fácil

do amor.



As feras


Que lutem, que se destruam

dentro da arena ou de mim,

se nada porque disputam

tem um prêmio ou tem um fim.


E eu, que resisto calada,

eu, que aflita, me contenho,

procuro em vão minha fala

sem voz, sem cor e sem tempo.



A pedra é a medida


A pedra é a medida

de minha inspiração.

Existe porque existe,

não porque eu queira, não.


Meu canto é ele e nele

minha alma se edifica:

Não catedral, mosteiro

de mim só e eremita.




Celina Ferreira, poeta nascida em Cataguases, Minas Gerais, em 1928. Na metade dos anos 1950, casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nasceram seus quatro filhos. Trabalhou como redatora de programas sobre literatura da Rádio MEC e, depois de ficar viúva muito cedo, passou a atuar como marchand no mercado das obras de arte. Publicou seu primeiro livro em 1954, Poesia de ninguém, seguido por Nave incórporea, em 1955, e Poesia cúmplice, em 1959. Em 1966, a Imprensa Oficial do Estado de Minais Gerais publicou Hoje poemas, reunindo esses três primeiros livros da autora e o então inédito Rio do sono. Em 1973, publicou Espelho convexo.  Celina ganhou vários prêmios literários, inclusive o prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores. Escreveu obras para crianças, as quais também foram premiadas. Faleceu em 2012, depois de muitos anos afastada da cena literária, por um quadro precoce de Alzheimer.








Taciana Oliveira — Natural de Recife (PE), Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo” Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.