Redundâncias, nada mais | Crônica de Carlos Monteiro

por Carlos Monteiro__











Redundâncias, nada mais 


Depois que acendi a porta e abri a luz, entrei para dentro da casa, avancei para frente e a vi com meus próprios olhos. Lá estava ela no alto da escada. Com meus pés pisei o primeiro degrau e subi para cima, ao mesmo tempo em que ela descia para baixo e nos encontramos na metade do meio; a ideia era formar um elo de ligação de certezas absolutas e indubitáveis.

De seus olhos rolaram lágrimas como o mar salgado, quando nos encaramos de frente. Juntamente com ela saí para fora da casa e formamos duas metades exatamente iguais. Tínhamos vontade de gritar bem alto e bater palmas com as mãos, pois a saudade brotava da terra como uma hemorragia de sangue, gotejava do alto... Ambos os dois, tínhamos adiado demais para depois este reencontro, pois não conseguimos antecipar para antes.

Havia a possibilidade de poder ocorrer uma renúncia, ao retornar de novo, ser rejeitando e enjeitado em desacolhimento. Ela sempre teve a propriedade característica de ser demasiadamente excessiva em seu critério pessoal e em sua opinião pessoal, capaz de exceder em muito seu desprezo averso. Havia, pairando no ar, uma sensação de que: “Um dia, quem sabe, você vai pensar direito…”, — digo-te isto só a ti em um acabamento final — “… vai me pedir perdão”.

 Nosso último e derradeiro encontro havia sido há anos atrás numa festa de São João; ali nos conhecemos pela primeira vez e percebemos imediatamente depressa que formaríamos uma dupla de dois. Todos os sintomas eram indicativos que assim seria e, em cada detalhe minucioso, não haveria outra alternativa: estávamos fadados a conviver juntos. 

Nos festejos juninos, acontecidos em julho, ao som de um bolero cossaco, amanhecia o dia em nossas vidas, éramos a razão do porquê. No meio daquela multidão de pessoas só havia ‘nós’. 

Todos foram unânimes, um consenso geral: aquele relacionamento só traria superávits positivos, era uma surpresa inesperada, uma criação nova, protagonista principal. Não era uma alternativa opcional, planejada antecipadamente e sim a versão de nossa livre escolha, a abertura inaugural que continuaria a permanecer para sempre, nossa última versão definitiva, ganhávamos gratuitamente uma poção mágica do amor, trazida pelo Cupido.

Conclusão final: esta é uma história baseada em fatos realíssimos e, como diria Odorico Paraguassú: “O Rio é uma cidade pleonástica e tautológica”. 




Carlos Monteiro
 é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.