Sinfonia condominial | Crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__

















         Dia destes busquei, na portaria do prédio onde resido, o famigerado ‘livro de ocorrências’ para relatar os latidos insuportáveis de um cão, de grande porte, que vem ensurdecendo a vizinhança, sem hora e dia para fazê-lo, por longos períodos seguidos, trazendo um transtorno ímpar para todos os moradores do condomínio. Estranhei que o porteiro ao me entregar o alfarrábio, esboçou um sorriso maroto, daqueles de 5ª série, como se houvesse no ar uma piadinha de duplo sentido, daquelas bem infames, mas que rimos de gargalhar.

Na mesma página onde ia relatar o fato, me deparo com outras três reclamações; uma sobre som alto pelas madrugadas afora, outra sobre ‘ruídos estranhos’ a partir das 4h30 — que seriam ‘ruídos estranhos’? — e uma terceira, neste caso apócrifa, e a que mais me chamou a atenção, dando conta de barulhos ‘íntimos’ que acontecem em determinado andar “durante a manhã, tarde, noite e madrugada”. Confesso; fiquei com inveja dessa maratona ‘íntima’, se é que esses ‘íntimos’ se referem àquilo que pensei... 

Talvez more um leão no prédio e não saibamos. Nos idos dos anos 1970, pela Rádio Relógio Federal, emissora carioca que, obviamente apresentava hora de minuto em minuto, anúncios e uma vinheta de cultura inútil — talvez nem inúteis assim, pois uma delas está me servido de base informativa para esta crônica — ouvi o famoso ‘Você Sabia?’ com esta bela informação: “Você sabia que o leão é o único animal capaz de copular dia e noite, a cada 15 minutos, cerca de 140 vezes em um só dia? Você sabia?”

O som alto das madrugadas, não me abalam ou afetam porque, contrariando a máxima de que quem tem som bom só ouve música ruim, o vizinho tem apuro musical, obras de qualidade que transitam entre Bossa-Nova, MPB e rock progressivo dos anos 1970.

Concluí: o som alto deve ser para abafar os ‘barulhos íntimos’, os ‘ruídos estranhos’ devem ser sinônimo de ‘barulhos íntimos’ e o cachorro... bem, o cachorro deve morar com a barata da vizinha, ser incomodado pela dona do segundo andar, porque o camarão que vacila e dorme a onda leva e, no meu caso, cachorro é pinto e galo cantou às 4h da manhã com o pato que vai cantando alegremente, afinal o leão é o rei da criação para alvoroço da sinfonia.

Viva a banda, a Carmem, os aviões de carreira e algo no ar além deles, não é Barão de Itararé?




Carlos Monteiro
 é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.