A memória e a escrevivência na obra de Conceição Rodrigues: um estudo feminista em molhada até os ossos

 por Tailany Andrade__



              


Este artigo analisa a obra Molhada até os Ossos, da escritora brasileira Conceição Rodrigues, sob a ótica das teorias feministas e de gênero. O foco da análise recai sobre os temas da memória e do imaginário feminino, discutindo como esses elementos são mobilizados para representar a condição da mulher na sociedade. A partir de leituras de autoras como Simone de Beauvoir e outras teóricas feministas, o trabalho revela como Rodrigues constrói uma narrativa de resistência e afirmação da subjetividade feminina, desafiando as normas patriarcais e oferecendo uma nova perspectiva sobre o papel da mulher na sociedade.


Sua escrita transforma a memória em um instrumento de empoderamento, permitindo que as vivências femininas marginalizadas sejam não apenas ouvidas, mas também reconhecidas e valorizadas dentro do espaço literário. Dessa forma, Conceição Rodrigues articula uma poética que celebra a autonomia das mulheres, subvertendo as expectativas tradicionais e abrindo caminho para um discurso mais inclusivo e emancipado.


A literatura de autoria feminina no Brasil foi por muito tempo negligenciada e silenciada, especialmente dentro do cânone patriarcal que domina a tradição literária ocidental. No entanto, a partir do século XX, com o desenvolvimento das teorias feministas e dos estudos de gênero, as escritoras passaram a ocupar um espaço central na discussão sobre representatividade, resistência e transformação social. Nesse contexto, obras como Molhada até os Ossos, de Conceição Rodrigues, emergem como um exemplo emblemático de escrita que desafia as normas tradicionais e oferece uma narrativa potente sobre a condição feminina.


Rodrigues, ao lado de outras autoras contemporâneas, utiliza a memória e a escrevivência como ferramentas para reconstituir as vozes femininas marginalizadas, dando-lhes espaço na literatura. Molhada até os Ossos não apenas revela as complexidades da experiência feminina, mas também resiste ativamente às estruturas de opressão impostas às mulheres, reconfigurando o lugar delas na narrativa literária. É, portanto, uma obra que dialoga com questões centrais da crítica feminista, questionando as representações de gênero, poder e identidade, ao mesmo tempo em que propõe novas formas de pensar a presença das mulheres na literatura e na sociedade.


A análise proposta neste artigo segue uma abordagem interdisciplinar, conectando teorias feministas com estudos literários. A pesquisa baseia-se em uma leitura detalhada de Molhada até os s Ossos, além de textos teóricos de autoras como Simone de Beauvoir, Judith Butler e outros nomes do feminismo contemporâneo. A articulação entre a memória e o imaginário é investigada sob a perspetiva da crítica feminista, com o objetivo de compreender como esses elementos narrativos contribuem para a construção de personagens femininas. 


Em Molhada até os Ossos, Conceição Rodrigues desenvolve uma narrativa profundamente enraizada na experiência feminina, explorando temas como opressão, liberdade e memória. A obra destaca-se  por sua capacidade de incorporar as complexidades da condição feminina, utilizando uma linguagem sensorial que reflete as tensões entre o desejo de liberdade e as pressões impostas pela sociedade patriarcal.


Escritas como "Seja Bela e Cale-se" e "Mulher Pós-Moderna" exemplificam de maneira notável o uso da memória como um ato de resistência. Essas escritas “cirúrgicas” não apenas desafiam normas sociais, mas também recontextualizam experiências femininas, promovendo um diálogo profundo sobre identidade e opressão. Ao resgatar histórias e vivências esquecidas, elas se tornam ferramentas essenciais na luta contra a silenciamento e a marginalização das vozes femininas.


A análise da obra de Conceição Rodrigues revela que a memória não é apenas um tema, mas um dispositivo literário que possibilita a construção de uma narrativa de resistência. Ao relembrar e reviver as experiências das personagens, a autora cria uma poética que desafia a marginalização das mulheres, dando voz àquelas que foram historicamente silenciadas, contribuindo para ampliar o debate sobre a condição feminina na literatura contemporânea brasileira. 


Por meio de sua escrita, a autora não apenas desafiou normas sociais, mas também iluminou experiências e lutas muitas vezes ignoradas. Sua obra torna-se um veículo poderoso para a expressão de identidades diversas, promovendo uma reflexão crítica sobre a condição feminina e inspirando novas vozes a se erguerem.


Conceição Rodrigues, em Molhada até os Ossos, oferece uma obra que transcende a crítica social convencional, apresentando um retrato complexo e multifacetado da experiência feminina. Ao entrelaçar memória e imaginário, a autora elabora uma narrativa que não apenas desafia as normas de gênero estabelecidas, mas também propõe uma nova forma de entender e representar as mulheres na literatura. Sua obra configura-se como uma contribuição significativa para os estudos feministas e para a literatura brasileira, ampliando o espaço para vozes femininas e enriquecendo a diversidade das narrativas contemporâneas.


REFERÊNCIAS



BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949.


BELLIN, Greicy Pinto. A Crítica Literária Feminista e os Estudos de Gênero. São Paulo: PUC-SP, 2011.


BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.


ROCHA, Eneida Maria de Souza. A Escritura Crítica de Heloisa Buarque de Hollanda: feminismo e pós-modernidade. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.


RODRIGUES, Conceição. Molhada até os Ossos. São Paulo: Editora Patuá, 2020.


SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.







Tailany Andrade
é professora, uma apaixonada pela língua portuguesa e pela arte. Acredita que ensinar é mais que profissão—é tocar vidas e despertar sonhos. Na sala de aula, vê cada aluno como uma obra de arte em construção. Sua missão é transformar o mundo, uma palavra e um sorriso de cada vez.