Ipê-Rosa | Crônica de Sheila Carvalho

 por  Sheila Carvalho__


 
São Gonçalo, 18 de outubro de 2024.


É tempo de florada do ipê-rosa. Você percebeu? Há dias, tento capturar este instante de esplendor. Achei que havia conseguido dias atrás, quando cruzei com sete deles no meu trajeto da casa para o trabalho. Parei no sinal, abri a janela do carro e tirei a fotografia. Fiquei feliz da vida já que, antes de sair de casa, me vi em grande conflito ao decidir se iria para o trabalho de carro ou de ônibus. De carro, chego mais rápido, é verdade. Mas de ônibus, além de gastar menos dinheiro, poderia adiantar uma das leituras pendentes ou começar a escrita de uma crônica, cujos temas e ideias também se acumulam. 


Pesando prós e contras, apesar do ônibus ter vencido a disputa, optei pelo carro, dado o adiantar da hora. No entanto, ao fazer tal escolha e seguir encapsulada no automóvel, o sentimento era o de que, na verdade, perdia tempo — esse de ver e capturar o mundo pela janela e colocar as ideias no papel. Como prêmio, veio o momento da tal fotografia, naquele breve momento de sinal fechado. Teria então valido a escolha pelo carro ao fazer tal captura. Mais tarde, ao procurar a imagem na galeria… cadê? Por algum motivo que desconheço, a foto não estava em lugar nenhum no meu celular. Mistério. 


Passados uns dias, sob conflito de igual natureza, triunfou o ônibus, no qual sigo escrevendo esta crônica. Lembrei-me do ipê-rosa ao me aproximar do seu lugar de morada no coletivo que viajava ao seu encontro. Como estava sentada no banco contrário à janela em que a árvore, em sua melhor forma, surgiria, levantei-me e projetei meu corpo sobre o banco em que estava sentado um senhor, posicionando o celular para o momento de uma nova chance de captura. O sujeito me olhou e afastou o corpo, espremendo-se contra a janela como se eu estivesse lhe invadindo o espaço — e talvez estivesse mesmo…-, quando lhe disse: “Eu só quero tirar uma foto desse ipê-rosa! Veja como ele está lindo! Estou tentando há dias!” Naturalmente, todos à minha volta se colocaram a observar a beleza do seu florescer. Click! E retornei para o meu lugar — aquele banco alto que escolho desde a infância, com a foto que deu para tirar. Ainda não tive coragem para analisar esta obra-prima da fotografia, embaçada devido à sujeira do vidro, certamente, com molduras de janela de ônibus e enquadramento duvidoso. Caso não tenha prestado, amanhã, novamente, ei de topar com um ipê-rosa por aí. Quantos dias duram a sua florada? Enquanto ela durar, tantas serão as chances de registrá-la. 




Sheila Carvalho é uma carioca de nascença, criada em Niterói e moradora de São Gonçalo. É cronista, geógrafa, professora de geografia e pesquisadora de doutorado interessada em abordagens geoliterárias, especialmente nas geografias machadianas na cidade do Rio de Janeiro. Gosta de música, de plantas, de pôr do Sol, de rua e gentes; e de observar e escrever sobre as sutilezas e pequenices cotidianas.