O umbigo da beleza | Cinco poemas inéditos de Manoel T. R.-Leal

 por Manoel Tavares Rodrigues-Leal_




M. T. R-Leal – Lisboa – Brick Café, Rua de Moçambique, c 2014. Em alto contraste © LBTavares





“Denn das Gedicht ist nicht zeitlos. Gewiß, es erhebt einen Unendlichkeitsanspruch, es sucht, durch die Zeit hindurchzugreifen – durch sie hindurch, nicht über sie hinweg.” Paul Celan


(“Porque o poema não é intemporal. E certo que proclama uma pretensão de infinito, procura actuar através dos tempos — através deles, mas não para além deles.”) Trad. João Barrento


I


Estremece, e não é nada.

Pobreza, penumbra, um pequeno pensamento?

Não sei, meu ser adoece

na formosura do que foi frágil infinito.

E eu alimento

o quarto da madrugada, retrato, impulso interdito.


Lx. 6-6-76


II


Sombria esta escrita circular.

Alto desejo de orgia, eixo de prazer intemporal.

Por que escrevo o acervo de tantos brilhos…

Xadrez de exactidão, penumbra pobre, meu antigo coração

e pensamento, que texto se presume pranto e lume?

Há a antiguidade de um jovem dia, deus ou solene e circular navegação?

Há sempre novidade no que é jovem, pólen, um admirável gesto longínquo e diurno.


Lx. 3-6-76


Manuscrito do poema II – lado direito da imagem – versão de cima

III


Aqui celebro

beleza, côncavo vazio.

Meu pensamento é um beijo

que, distraído, se despiu.

Meu deus, eu não bebo

senão realidade, e há um pretexto de navio.


Lx. 3-6-76 – Nota no manuscrito: “10-6-76 – Encontro com a Ana [ex-mulher]”


IV


É tudo tão erecto e exacto

como um pénis rodando.

Soletro o véu do que sou e exalto,

e, solene, que brancura queimando,

concubina beleza, ninguém, quando?


Lx. 6-6-76


V


Aqui respiro 

vegetal espuma.

Aqui aspiro

as algas, grutas, meu grito

irreal, desejo de uma 

vaga dispersão. Deliro

a nada, suspensão, morte, noite e não habito.


Lx. 3-6-76


Fontes


CELAN, Paul (1996). Arte Poética. O Meridiano e outros textos. Trad. João Barrento. Lisboa: Relógio D’Água.

CELAN, Paul (2002). Le Méridien & Autres Proses. Éd. Bilingue. Trad. de l’Allemand et annoté par Jean Launay. Paris: Seuil.



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*Coligidos do caderno O Umbigo da Beleza por Luís de Barreiros Tavares







Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, caído no quarto, morrendo absolutamente só.