Poemas de Ana Victoria Almeida

 por  Ana Victoria Almeida__



Foto de Marcos Paulo Prado na Unsplash


Passarinha 

Sou passarinha 

Tatuei isso no meu corpo 

Minhas asas são marca registrada 

Vou de pouquinho em pouquinho 

Construindo meu ninho 

Sou passarinha 

Não paro quieta 

Tentei voar em linha reta 

Sou zona aberta 

Toda vez que me prendi 

Percebi 

Que construí um 

Castelo de farinha 

Depois de um tempo 

Despedaçava 

Destruía 

Porque farinha 

Não alimenta 

Só satisfaz 

Quem nunca provou 

Sabores 

Gostos 

Temperos 

Quem fica em uma nota só 

Um paladar

Sou passarinha 

Sou do campo 

Mas já fui do campo de batalha 

Sou das flores 

Mas já fui dos espinhos 

Sou passarinha 

Mas estou longe do diminutivo 

De pequena não tenho nada 

Sou passarinha 

Porque descobri meu tamanho


Tocada

Ele queria que eu só tivesse sido tocada por ele 

Mal sabe ele mas tudo me toca 

Então isso seria impossível 

Sou tocada por gente que não conheço 

Por palavras em livros que escorrem pelo meu corpo 

Por filmes que fazem meus olhos brilharem 

Por personagens que parecem melhores amigos 

Ou aqueles que eu gostaria de conhecer 

Aqueles que me fazem lembrar de quem conheço 

Sou tocada por crianças que me fazem lembrar da infância 

Do que eu falaria pra mim mesma se pudesse voltar no tempo e me reencontrar 

Sou tocada pelas letras de música 

Que parece que escrevi 

Que parece que sou eu conversando com o que eu vivi 

Pela janela do carro sendo aberta 

Enquanto eu canto meu coração fora 

Sou tocada pelo meu passado 

Que permanece comigo não importa qual estado 

Posso tentar fugir mas ele vem lado a lado 

De mãos dadas comigo 

Porque tudo me toca 

também já fui espancada 

Espancada pela vida 

Pois tudo vem com tamanha rapidez 

Que me atropela 

Me atormenta 

Mas me encanta 

É uma contradição instantânea 

Minha salvação é meu abismo 

Minha maior qualidade é meu defeito 

Ter marcas me diz aonde fui 

Quem sou e aonde eu devo ir 

Então meu amigo, desculpa 

Mas a minha única adrenalina nunca poderia ter sido só você


Palavras bonitas

Não vem assim 

Falar pra mim 

Palavras bonitas 

Quando dentro de mim 

Saem tantas 

De dentro são plantadas 

Regadas 

Acariciadas 

Pois foram tombadas por tantos 

Pisadas 

Cuspidas 

Esfaqueadas 

Meu jardim já pegou fogo 

Enquanto um amor ria de mim 

Não sou tola 

Talvez um pouco louca 

Por acreditar em alguém quando ela diz sim 

Vem pra mim 

Toda vez que vou 

Piso em falso 

Caio em um buraco 

Disfarçado de fruto 

Palavras 

Sobrevoam 

Mas não permanecem 

Sem raiz já basta o deserto sem fim que eu percorri


Vitória 

Você sempre achou que não tinha escolha 

Que teria que ser vitória até nas derrotas 

Perfeccionista 

Queria acertar de primeira 

Foi necessário quebrar a cara algumas vezes 

Foi no lápis e no papel 

Que seu nome fez sentido 

Ser vitória era por pra fora 

Minha vitória está nas minhas palavras 

No recado bem dado 

Na delicadeza 

Em responder as cuspidas 

As revoltas 

As loucuras 

Sem frieza nenhuma 

Sou guerreira 

Sem espada 

Do abraço bem dado 

Minha defesa 

São cartas 

Sou a guerreira 

Que entrega flores 

Pros adversários 

Não vim pra ganhar 

Vim pra soletrar 

Minha história 

Minhas palavras são minha flecha 

Sou cupido disfarçado 

Nome pretensioso 

Só me tornei ele 

Ao abrir 

Meus olhos 

Pros detalhes 

Quando recebi 

Tudo que vivi 

Com outro olhar 

Pra transformar 

Todas esbarradas 

Cutucadas 

Porradas 

Em amor pra dar 

Pra todas as quadrilhas que vou enfrentar 

Pra todas armadilhas que colocam 

No meio do caminho 

Respondo 

Com frases 

Com encaixe 

Com escolha de letras 

Meu troco 

Pra todos os socos 

São letras de amor 

Com a escrita 

Sou vitória 

Vitória de Ana Victoria 

Oh glória


Nascimento

Encontrei 

Minha ex-analista na rua 

Ao lado dela 

Estava minha antiga versão 

Não dobrei 

A esquina 

Abracei a minha menina 

E a dela 

A vida se encarregou 

De me deixar cara a cara 

Com quem escutou 

Meus padrões repetidos 

Por dez anos 

Sentei em seu divã 

Como se usa uma aliança 

Foi uma união estável 

Das mais bonitas 

Que compromisso 

Que eu tinha com 

Meu buraco 

Que confortável 

Era minha escuridão 

Debaixo de um sol escaldante 

Na calçada 

Senti minha moldura 

Compacta 

Derretendo 

Fiquei pelada 

Descongelei 

Minha única via 

De pensamento 

Me tornei 

Uma espécie de 

Eva 

Renascendo pela 

Primeira vez 

Hoje nasço 

A partir de escolhas 

Melhores 

E não mais do meu 

Próprio assassinato 


Destino

Da risada que engole 

Uma afinação no tom de voz 

Uma ironia ríspida 

Que acaricia como se fosse 

Uma composição clássica 

Um humor ácido 

Regado de sofisticação 

Uma mistura de Chopin 

Com o gingado de Tom 

Horas de telefonema 

Reproduzem um som 

Que se torna eco 

Que reverbera 

Anos adiante 

Anos que ainda nem me tocaram 

Já sentem a ressonância 

Do seu piano 

Notas musicais 

Já perfuraram 

Meu inconsciente 

Minha realidade 

Já está sendo construída 

A quatro mãos 

Uma nota musical 

Puxa a outra 

O destino é musicalidade 

Casualidade 

Que na verdade 

É milimetricamente 

Arquitetada 

Por uma amizade 

De outras vidas


*Ana Victoria Almeida, que lançará seu livro de estréia, "Laços” (7Letras) na FLIP.




Ana Victoria Almeida
 é roteirista e pesquisadora de conteúdo. Participou da formatação e desenvolvimento de séries documentais e diversos programas de tv. Participou da equipe de roteiro de projetos como Os homens são de Marte (gnt), Quintal tv (Canal Futura), Prazer, Luísa (Multishow), Que marravilha! (gnt), Livres no Rio de Janeiro (Nat Geo), Quem salva quem (gnt e Globoplay) e Deixa ela (gnt, Globoplay e Sportv).