Trecho do conto Solidão | Rinaldo Segundo

 por Rinaldo Segundo__




       “Nas causas da solidão, as implicações dela. Helena se decepcionou com a escolha de nosso pai e o evitou, tamanho seu apego e dor. Mas não conseguiu evitar o choro, dia e noite. Sofrendo mais, ela perdeu o parceiro nas derrotas do Flamengo, o ajudante nas tarefas escolares, o Sr. Tudo. Já percebeu que pai privilegia filha?

O meu sofrimento menor tinha também outra explicação. Embora concordasse com Helena sobre a traição, eu depositava baixa expectativa em nosso pai. Vivenciei aos seis anos um episódio desconhecido por ela. Acompanhava-o uma tarde, quando ele encontrou a outra na casa dela, cheio de chamego. Estranhei e me perguntava se a minha

mãe sabia, quando a intimidade se escrachou:

— Príncipe, tem cerveja e guaraná no freezer — disse a outra.

— Pego lá, princesa — falou ele.

Senti pela primeira vez o peso da masculinidade e calei medroso, apesar da raiva. A minha autodefesa psicológica foi o autoengano, ao conceber naturalidade naquela relação. Meu pai me recomendou boca fechada, argumentando que seria o nosso segredo. Helena, mais destemida, teria contado à mamãe.

A realidade amanheceu juntos príncipe e princesa um dia, como um rio nunca igual. Lá em casa, imperou a revolta, que, como tal, escalou o ressentimento.

— Não confio mais em homem algum — repetia a minha mãe.

— Nunca vou confiar — apoiava minha irmã, ainda mais radicalizada.

Escolhi emudecer como Brutus traindo (o pai) Júlio César. Ouvi calado, mas recebi diariamente uma sentença condenatória do tribunal da autoconsciência que julgava a minha criança de seis anos. Distanciado do dever de honestidade, senti-me como um irmão impostor de Helena e um filho farsante de minha mãe. A minha autopunição culpada queria fazer desaparecer a minha covardia.”




Rinaldo Segundo é promotor de justiça e atua, principalmente, na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes, onde sente diariamente as emoções alheias refletidas em si. Formado em Economia e Direito, com mestrado em Desenvolvimento Sustentável (Harvard Law School), também é autor do recém-lançado livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Inspirada em sua vivência profissional, a obra expõe dramas sociais da atualidade e as emoções como ponto comum na experiência humana.