por Mirada__
Andressa, como todos nós e ainda bem, está condenada à linguagem. Presa, prisioneira, sentenciada: seu No dia em que não fui é uma tentativa, fortuita, de transgressão, de delinquência, de infração (...) E para contar essa história endurecida, debruça-se numa atividade escrevedora que aposta não nos grandes acontecimentos, mas na pequeneza do cotidiano. Seu livro de lançamento é a Travessia própria do Rubicão: um ponto de não retorno. Escreve para espiar, que nem criança arteira, o que está por vir."
Jornalista e psicanalista Gabrielle Estevans, no prefácio da obra
Em “No dia que não fui”, a escritora sul-mato-grossense transforma uma experiência pessoal em uma narrativa coletiva sobre o impacto da perda e a reconstrução da identidade
A escritora sul-mato-grossense Andressa Arce estreia no mundo literário com No dia que não fui, uma obra que mescla dor pessoal e reflexão coletiva ao abordar o sofrimento causado pela perda abrupta de um familiar. Publicado pela Editora Patuá, o romance de 85 páginas explora as complexas relações familiares, em especial a entre irmãs, e o impacto devastador do suicídio. Para a autora existia um desejo de partir de uma história pessoal para atingir uma história coletiva. "A escrita iniciou-se como uma forma de resgatar a imagem desta irmã, o que acabou desaguando para a ficcionalização", revela.
O livro é inspirado na experiência pessoal de Arce, que utiliza a ficção para reconstituir uma parte de sua vida, questionando o que permanece quando uma relação é interrompida de forma trágica. A história segue a jornada de Alice, uma menina que, após a perda da meia-irmã Liana, é obrigada a reconstruir sua identidade a partir dos escombros deixados pela partida abrupta da irmã.
Dividido em três partes — “A meia-irmã da filha única”, “A filha única sem meia-irmã” e “O punho, ainda” —, o romance reflete o arco de crescimento da protagonista, desde o fascínio pela irmã adolescente até a dolorosa tentativa de sobrevivência diante da ausência. No clímax da obra, Alice escreve uma série de cartas para Liana, permitindo-se um último diálogo com a irmã, agora ausente.
Com um tom melancólico que remete tanto à música de Lana Del Rey quanto ao cinema de Sofia Coppola, a obra é uma imersão na melancolia e nas dores da vida feminina. A autora, que descreve sua forma poética de enxergar o cotidiano como um fator importante na construção de sua narrativa, revela que a escrita do livro começou como uma tentativa de resgatar a imagem da irmã perdida, mas logo se transformou em um processo de ficcionalização.
Além das influências culturais contemporâneas, como os filmes Eu, Christiane F., Garota, Interrompida e As virgens suicidas, Arce também cita a escritora Sylvia Plath como uma de suas principais influências. A leitura de A redoma de vidro, de Sylvia Plath a motivou a tratar de temas densos de maneira delicada, o que se reflete em sua escrita lírica.
Com sua formação jurídica e uma carreira consolidada como Defensora Pública Federal, Andressa Arce não se dedica exclusivamente à literatura, mas compartilha em No dia que não fui uma intimidade com o tema do luto e da perda. A obra é resultado de um processo de mentoria com a jornalista e psicanalista Gabrielle Estevans, que também assina o prefácio. No dia que não fui não é apenas um relato sobre o luto; é uma profunda investigação sobre as ruínas das relações humanas e o que sobra quando o impossível acontece.
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