Abstrato | Crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__










Fotografias de Carlos Monteiro

Abstrato


Ir além da representação literal da realidade, focando em elementos visuais como formas, texturas técnicas e padrões, usando os primórdios da fotografia, imprimindo as imagens tons de daguerreótipos, traz a sensação de pertencimento e reforça a memória afetiva da primeira Agfa, presenteada por meu pai nos anos 1960, lá no remoto século passado. Grandes lembranças e o afã de produzir algo que não se encaixasse na estética praticada com enquadramento e poses convencionais permeavam minha mente e minha inquietude me levava à ‘zoomadas’ e fotos tremidas propositalmente. 

Uma festa que não era comemorada pelos laboratoristas que simplesmente achavam que eu havia ‘estragado’ o filme. Consideravam absolutamente rocambolesca aquela estética que tanto me trazia felicidade.

Fiz dessa crítica constante trampolim para procurar saídas para parar de ouvir a ladainha de sempre: “Que fotos estranhas”; “Isso não é fotografia”; “Você tem muito que aprender”; “Para de gastar dinheiro com essas bobagens”... 

O primeiro incentivo e a saída imediata veio do genial Chiquito Chaves e sua inseparável boina à la Guevara, fotógrafo magnífico d’O Globo, que me cedeu seu espaço laboratorial em Santa Teresa, na rua Paula matos, “com a condição de que levasse meu papel” e ali surgiram minhas primeiras experiências ‘profissas’ no famoso formato 18x24.

O preto e branco, nesse contexto, fortalece a tensão entre o real e o imaginário, tornando o impossível mais palpável e o abstratismo fica ainda mais fascinante. Além disso, o surrealismo fotográfico, muitas vezes, explora temas como o medo, a solidão, a alienação e a busca pelo significado da vida e oferece uma abordagem mais intimista ao foto-e(s)xpectador.

Essa arte-técnica não busca oferecer respostas fáceis ou definitivas, mas sim provocar perguntas, explorar o desconhecido e abrir portas para o mistério da psique humana, oferecendo um olhar íntimo entre o fascínio, o inconsciente e o absurdo, utilizando as sombras e a luz para criar cenas que transcendem a realidade cotidiana. A ausência de cor, longe de ser uma limitação, é uma ferramenta que fortalece o caráter atemporal e simbólico dessas imagens.

Elas vêm me acompanhando desde sempre numa estética subjetiva e absolutamente intuitiva gravada em minha mente desde os primórdios na revelação de meu primeiro 35 mm.

Afetividade visceral.




C
arlos Monteiro
 é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.