A Queda | Crônica de Alessandro Caldeira

 por Alessandro Caldeira__



Fotografia: Vidor Nordli
                  


Acredito que muitos de vocês assistiram aos últimos acontecimentos do Campeonato Brasileiro e à confirmação do título para o Botafogo. Mas tive a impressão de que nos levantamos da cama com o desejo de apenas acompanhar o drama do último rebaixado e, se me permitem, é nesse assunto que gostaria de dedicar minha atenção.

Pois bem! Durante uma conversa entre amigos, horas antes da última rodada, surge a inevitável pergunta: qual jogo assistir? De repente, a euforia toma conta do ambiente e, entre brincadeiras e uma dose de nostalgia, concluímos: vamos assistir a Palmeiras x Fluminense. Embora a maioria fosse paulista e tivesse motivo para lançar maldições ao clube da Barra Funda, meus amigos estavam mesmo interessados na briga contra o rebaixamento.

Por isso, enquanto a partida estava rolando, percebi que, para eles, torcer para o rival não era tão ruim desde que outro grande fosse humilhado. Portanto, torcer para o Palmeiras virou uma obrigação, e o ambiente se tornou um verdadeiro Coliseu onde cada um fazia a sua aposta.

Mas, enquanto o tempo passava, o placar zerado deixava meus amigos frustrados, e eles murmuravam que nada de novo aconteceria. De vez em quando surgia uma pergunta sobre um possível humilhado: quanto está o outro jogo? O resultado é bom para quem? Fluminense está caindo?

A verdade é que tínhamos a certeza do rebaixamento do tricolor carioca, mas, quando o Fluminense abriu o placar, os que estavam torcendo contra caíram das nuvens. Machado de Assis já dizia que era melhor cair das nuvens do que do terceiro andar. E o dia, de repente, quase passou a não valer a pena. Mas, para quem quer ver a derrota do oprimido, não custa nada mudar a direção da aposta.

O alvo agora era o Athletico PR. Curiosamente, para meus amigos, torcer contra eles ficou ainda mais divertido porque relembravam as falas do presidente Petraglia subestimando outros clubes e seus jogadores provocando o arquirrival. Quase no final da rodada, veio a explosão: o time paranaense estava rebaixado, e o público ao meu redor se sentiu vitorioso pelo o dia não ter sido em vão.

Mais tarde, a euforia que acabara de presenciar me mostrou outra coisa: o torcedor, considerado um pobre-diabo indefeso e desarmado, podia salvar ou liquidar um time. Exagero? Então tomemos como exemplo o próprio rebaixado Athletico. Uma semana antes, sua torcida estava invadindo a arena como quadrúpedes galopando para cima dos jogadores para se vingar da injustiça que estavam sofrendo ao serem humilhados daquela forma. Mas vejam bem: o torcedor arrogante da véspera era o mesmo injustiçado do dia seguinte.

Pergunto-me, porém, que estímulo pode ter uma equipe quando sua derrota transforma o próprio torcedor em um bárbaro, a ponto de seu aborrecimento se parecer mais com uma comemoração eufórica e feroz?

Falam do time e dos jogadores, mas esquecemos que o torcedor carrega uma grande arma: o poder do equívoco. Eis a verdade: um péssimo torcedor equivale a um péssimo jogador. Lembro de um amigo, por exemplo, que, dias antes de seu time decidir a permanência no campeonato, declarou sem pudor: Se cair, viro um bicho! Vejam bem: meu amigo estava se gabando por carregar dentro de si um bicho. E não importava qual fosse, desde que sua nova forma fosse a de um selvagem.

Disse que o torcedor não está desarmado e eis o que eu queria dizer: ele está sempre pronto para reagir à derrota, não o contrário. Quando a rodada terminou, vimos anjos e demônios com rostos incendiados de satisfação.

 


Alessandro Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.