por Mirada__
Pois se a minha vida é um sonho, é um sonho de um demente, cuide-se de fazer aqui, desse pesadelo feio e sujo uma narração cruelmente alegre ali, sangrenta e colorida acolá, sagrada em sua profanidade, (...) luzida e intrépida em sua feiura.”Ariano Suassuna, 1972
Um olhar abrangente sobre a vida e obra de um dos maiores expoentes da cultura brasileira. Assim pode ser descrito “Ariano Suassuna: no teatro da vida”, obra organizada pelo historiador Anderson da Silva Almeida e lançada pela editora CRV. O livro propõe uma reflexão abrangente sobre o escritor, dramaturgo e idealizador do Movimento Armorial, destacando sua relevância na cultura brasileira. Com 354 páginas e dividida em duas partes, a publicação apresenta 13 artigos assinados por pesquisadores de todo o Brasil. A primeira parte é dedicada a um perfil biográfico e à atuação política de Suassuna, enquanto a segunda explora as influências artísticas e a construção de sua dramaturgia. A proposta é híbrida: dialogar tanto com o público acadêmico quanto com leitores interessados na história e no legado cultural de Suassuna.
Contexto histórico e cultural
O lançamento acontece em um momento significativo: os 60 anos do Golpe de 1964, um contexto que permeou a atuação política de Suassuna, e o lançamento do aguardado filme O Auto da Compadecida 2, continuação de um dos maiores clássicos do cinema nacional. Segundo o organizador Anderson Almeida, a obra preenche lacunas sobre a participação do escritor nos debates políticos e culturais das décadas de 1960 e 1970, conectando sua trajetória ao cenário histórico.
"Como pesquisador da ditadura, percebi a ausência de estudos no meio historiográfico sobre a atuação de Ariano naquele período. Temos obras que abordam o Movimento Armorial, mas sem conectar com o contexto político. Ariano esteve muito presente nos debates políticos dos anos 1960 – 1970, principalmente em Recife, e já era muito conhecido pelo prêmio conquistado pelo Auto da Compadecida, em 1956”, comenta Anderson.
A obra revela a complexidade do escritor paraibano, explorando sua formação em Taperoá, marcada pela convivência com diferentes camadas sociais, e episódios como o assassinato de seu pai, João Suassuna, figura política central na Paraíba. Também é abordado momentos controversos, como sua participação no Conselho Federal de Cultura após o Golpe de 1964, e tensões com movimentos como a Tropicália e o Manguebeat. “Nesse sentido, há um caráter híbrido que tenta dialogar com leitores e leitoras para além do público universitário. Esse é o nosso grande desejo: sair da bolha acadêmica”, frisa o organizador.
A coletânea não busca sacralizar a figura de Suassuna, mas apresentar suas contradições e transformações. Destaca-se ainda seu embate com influências norte-americanas e sua busca por uma “cultura erudita brasileira”, inspirada nas raízes populares e ibero-árabes. Entre os temas abordados estão os conflitos políticos nos anos 1930, a atuação de Suassuna durante a ditadura, e o impacto do Movimento Armorial, que buscava unir o erudito ao popular.
A obra também traz análises literárias de peças como Auto da Compadecida, e sua conexão com o cordel e a xilogravura. Em um dos capítulos, o pesquisador Dimas Brasileiro Veras questiona: seria Ariano um “extremista de centro” ou um “monarquista de esquerda”?
Com contribuições de pesquisadores experientes, o livro é um convite a redescobrir Suassuna em toda a sua pluralidade, revisitando sua obra e vida com profundidade, crítica e respeito. Para leitores de diferentes perfis, “Ariano Suassuna: no teatro da vida” promete ser uma leitura indispensável para entender as nuances do escritor que transformou a literatura e o teatro brasileiro.