por Davison Souza__
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Foto de Ray Hennessy na Unsplash |
Fiquei em desespero, afinal, aquele era o nosso último recurso. Hoje, entendo o seu cansaço, desistir em meio a esse cenário é um ato de coragem. Ele só queria descansar, apreciar o nascer do sol e voltar a sorrir.
No dia 31 de dezembro daquele ano, meu pai estava em casa, acabara de voltar de uma internação. Estava debilitado em cima de uma cadeira de rodas, não falava, não comia, não bebia, mas seu semblante era de tranquilidade. De tarde, eu, meu irmão e minha mãe demos um banho nele e o arrumamos, afinal, ele sempre gostou de viradas de ano.
Lembro que quando éramos crianças, ele, trabalhando em uma escala desumana, ganhando menos que um salário mínimo, garantia que todos tivéssemos uma roupa nova no fim de ano, aquele gesto simbólico significava e ainda significa muito para mim, era a materialização de um amor incondicional. Todos, em família, íamos à casa de minha avó materna e da minha tia paterna, no caminho, meu pai era reconhecido por tanta gente que meus pequenos dedos não davam conta de contar. Olhando admirado, pensava: “Como ele conhece tanta gente?”, aquele ser humano simpático, de sorriso largo e brincalhão era o reflexo de um ser humano que eu admirava e queria ser.
Depois do banho, o vestimos, ele ergueu a cabeça, olhou em nossos olhos e sorriu. Não precisou de palavras, não precisou de um abraço, aquele simples gesto foi mais forte que qualquer “eu te amo” que ele já disse. Me senti amado por ele mais uma vez.
Naquela noite, me arrumei, pedi a benção a minha mãe e ao meu pai, que sorriu para mim, seus olhos brilharam, foi reconfortante.
No dia 01, retornei, era uma manhã de sol brilhante, o azul cintilante do céu denunciava que ali começaria um novo ano. Talvez, novas chances de recomeço, talvez nesse novo ciclo Deus ouvisse minhas preces e ajudasse meu pai a se recuperar, quem sabe acontecia um milagre e eu voltaria a ver meu pai sorrir e abraçar inúmeras pessoas como ele costumava fazer.
Olhei para o relógio, estava na hora dele comer, fiz a suplementação alimentar e injetei na sonda, devagarinho, gota por gota. Deitei um pedaço. As 9 horas e alguns minutos que me fogem a memória, meu pai resmungou algo que a nossa mente não conseguiu decifrar, depois fechou os olhos, eu o chamava e ele não respondia, me desesperei. Chamei um vizinho, coloquei meu pai nos braços, desci as escadas, o coloquei no carro e fomos para o hospital.
Ao descer do carro, sua cabeça estava suspensa, não sustentava em cima do corpo, eu o retirei em meus braços, entrei no hospital e o coloquei em cima de uma maca. Os enfermeiros o levaram para a sala de reanimação, por um pequeno vidro em formato quadricular vi meu pai tentando se reanimar, levando choques no peito, um atrás do outro.
No último choque, seu corpo deitou delicadamente em cima da maca. Um dos médicos saiu da sala e me disse: “sinto muito”, aquela foi a última frase que ouvi, naquele instante interminável, me faltou força nas pernas, naquele momento chorei, chorei, chorei. Igual uma criança, sozinha na imensidão daquele hospital. Entrei ali com meu pai e iria sair sem ele. Chorei mais uma vez, sabe aquele choro que sufoca? Que lhe falta ar? Que prende um grito em sua garganta e não o solta? Foi assim. A cena de seu corpo na maca se repetia na minha memória. E a cada lembrança eu chorava mais.
Depois de um tempo chorando, enfim, eu pude gritar em silêncio e me despedir.
Sua benção, pai? Que o senhor enfim possa sorrir e ver o nascer do sol.
Filho do seu José e da dona Maria, me chamo Davison da Silva Souza, mais Silva, da periferia de Fortaleza. Educando do Mestrado Acadêmico Intecampi em Educação e Ensino (Maie-Uece), professor-alfabetizador da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza e Bolsista de fomento a pesquisa da Funcap.