O Megalomaníaco | Conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__



João Carlos era um rapaz pacato, de pouca prosa, até meio raquítico — um ser meio imperceptível; ele passava incólume, quase sempre. À primeira vista, ninguém jamais diria que João Carlos era um grande Fiscal da Receita. Foi por isso que passou uma vergonha danada, em outras terras, quando tentou comprar um carro. Ficou, dizem os espectadores, cerca de duas horas para ser atendido. Não lhe davam crédito. E, aí, João Carlos, esse mesmo, o mirrado João Carlos, foi capaz de comprar um carro de luxo 4x4, muito maior que ele, para mostrar, decerto, o homem que era, adepto às grandezas. E uns dizem que João Carlos se tornou megalomaníaco por ser justamente invisibilizado. Era como uma espécie de parasita em qualquer lugar, até que dessem conta de que o carrão era dele, a mansão era dele, e, por que não?, o helicóptero. Ainda que tivesse tudo de bens materiais, lhe faltava o amor. Nunca encontrara uma mulher que se chegasse sem interesse: “Eu quero me casar, mas com uma mulher que me ame de verdade”. Muitas mulheres passaram por sua vida. Lego engano daquele ingênuo que pensa que João Carlos não sabia aproveitar. Ele tinha três namoradinhas, para dias alternados. Elas quedavam com ele aos finais de semana, porque sempre havia uma viagem para uma praia misteriosa, para um lugar paradisíaco. João Carlos regalava-se, sabia que podia e devia abusar. Quase sempre levava guarda-costas que tinham o dever de controlar as suas finanças, para não esbanjar demais, e, por isso, mesmo autorizado, Gerônimo, um dos seguranças, levou um tapa na cara por ser muito “estraga-prazeres”. E João Carlos continuava a ostentar, sobretudo quando via uma faísca de suspeita de preconceito à sua figura pouco afeiçoada aos ambientes chiquérrimos que frequentava. Numa noite linda, resolveu viajar sem nenhuma das namoradinhas. Escolheu o destino e seguiu. Desta feita não queria parecer rico, mas uma mera pessoa de posses. Seguiu somente com um segurança, no caso Gerônimo, seu fiel escudeiro, e pediu que ele lhe ajudasse a encontrar uma moreninha bonitinha, com quem pudesse namorar de verdade. Gerônimo acatou as ordens, feliz pelo patrão. Chegaram cedo a uma pousada de luxo em Icaraizinho de Amontada, no Ceará. Não havia muito movimento. Não era feriado ou coisa do tipo. A cidadezinha estava parada. “Mal presságio”, pensou João Carlos. Desceu a bagagem do carro e foi direto para os aposentos. Olhava da varanda a lua imensa. Pensava na vida, que tudo aquilo que tinha não valia nada se não tivesse um grande amor. Ele nunca soube que tal de “grande amor” é esse, só de ouvir os outros falarem. Logo uma garçonete veio trazer o seu jantar, no quarto. João Carlos estava fleumático e desempolgado. Quando viu Ticiana, seus olhos brilharam; era a garçonete mais linda que havia visto em toda a sua vida. Morena nativa, aproveitou, João Carlos, para iniciar o papo e perguntar sobre os passeios e os eventos da cidade. Ticiana, muito tímida, lhe contou um par de atividades que poderia fazer no local. João Carlos dormiu como um anjo. Pela manhã, desceu para tomar o café, pois que queria encontrar Ticiana. O garçom disse que ela só viria à tarde. João Carlos, de tão ansioso, sequer saiu da pousada, esperava a chegada de Ticiana, só com ela queria conversar. Ticiana aportou às 16h em ponto, próximo ao pôr do sol, motivo que fez João Carlos descer para a piscina e pedir bebidas à morena Ticiana. À noite, já calibrado, João Carlos falou com a gestão da pousada para contratá-la só para atendê-lo, visto que era uma excelente profissional. A quantia era tão vultosa que a direção da pousada aceitou (cobriu três diárias de um apartamento chic). Ticiana aos poucos foi entendendo os maneios de João Carlos e prosperaram na amizade. No dia de voltar para sua casa, João Carlos se declarou e disse que queria muito conhecê-la melhor. E assim foram ficando, ou namorando, por seis meses. João Carlos mudou de vida, não mais ostentava, achava ridícula a competição por dinheiro que seus amigos faziam. Levou Ticiana para Fernando de Noronha e lá a pediu em casamento. Gerônimo era o mais feliz de todos, pelo que se via.



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. Instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com