por Carlos Monteiro__
Parole, parole, parole...
Nos idos dos anos 1970 o eterno Chico Anísyo imortalizava um dos seus (milhares — desculpe a hipérbole) personagens fantásticos: Walfrido Canavieira, prefeito de uma fictícia cidade do interior, que proferia discursos-comícios absolutamente pragmáticos pela falta total de conteúdo, apresentados de forma inflamada para uma claque ‘atônita’, que sem entender patavina do que foi dito, aplaudia-o calorosamente. Eram sempre findados pelo ‘histórico’ bordão: “Palavras são palavras, nada mais que palavras”.
Na mesma época fazia sucesso na TV brasileira O Bem-Amado, protagonizada pelo inesquecível ator Paulo Gracindo no papel do lendário Odorico Paraguaçu, prefeito de uma fictícia Sucupira, personagem da obra-prima de Dias Gomes, escrita nos anos 1960, Odorico, o Bem-Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte, e a saga para inaugurar o cemitério da cidade.
Pois bem, “Vamos deixar de lado os entretantos e partir logo para os finalmentes... deixemos os paratrasmente e vamos para os prafretementes”, vamos deixar de coisa e cuidar da vida porque é hora do almoço.
Se já não bastassem os anglicismos e invencionismos que assolam nossas terras em seus ‘calls’, ‘meetings’, ‘mainstream’ e ‘monetizar’, ainda temos que lidar com as ‘expressões da moda’, uma chatice absolutamente irritante. Depois da famosa ‘a nível de’ e a famigerada ‘enquanto pessoa’, agora temos ‘reinventar’, quem sabe a pólvora ou a roda e ‘aleatório’, que serve para dizer qualquer coisa não dizendo absolutamente nada. É um tal de aleatório em programas de TV, em rodas de conversa, em círculos de moda, em resenhas literárias... um ranço só.
Lanço aqui um desafio para uma palavra aleatória bem mais bonita, aliás para o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda a mais linda da Língua Portuguesa: ‘libélula’. Vamos ‘libelar’ (sem acusar) por aí, vamos transformar todas as mazelas humanas em libélulas, pode até não fazer muito sentido (como nenhuma ‘modinha linguística’ faz), mas é muito mais linda do que qualquer outra.
Viva Chico Anysio, viva Dias Gomes que profetizaram uma ‘nova’ língua há 55 anos de forma cômica e jocosa.
*Fotos absolutamente aleatórias porque imagens são imagens, nada mais que mil palavras não ditas.
Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.