Se essa rua fosse minha | crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__









Fotografias de Carlos Monteiros

Se essa rua fosse minha

Não ladrilharia com as tais ‘pedrinhas de brilhantes’. Refloriria, como o ‘jardineiro’ Vininha, com belas rosas, dálias, crisântemos, jasmins, petúnias, margaridas, para que ficasse com a cara dos ‘jardins do céu’. “… A beleza das flores realça em primeiro lugar / É um milagre do aroma florido / Mais lindo que todas as graças do céu / E até mesmo do mar…” Voltei na história-floricultura, dos cravos que aplacam algozes, do caminhar sem lenço e documento, neste sol nada cáustico de dezembros atuais, voltei ali em Ipanema, das moças coloridas pelo Astro-rei. Ah, Ipanema, Ipanema não há mais. A ‘Casa Futurista’, como escreveu Joaquim Ferreira dos Santos: “Museu de Belas Artes da intimidade feminina” se foi.

A “Shaika”, se foi, o “Veloso” se tornou “Garota”, o “Gordon” virou cafeteria, o “Mau Cheiro”, e mau cheiro que vinha de lá, pura implicância dos frequentadores daquele memorável bunda de fora, deixou de ser point das madrugadas Leilianas. O Jangadeiro, embarcado pelo Dragão do Mar, foi para águas infinitas, está nos braços de Iemanjá. Para aonde foram Caio Mourão, Roniquito, Leila e toda a intelligenza carioca?  Estarão lendo o ‘Sol’ nas bancas de revista, que enchem meu coração de alegria ou o do Villas sediado nas nuvens? E escadaria da Saint Roman, em Copacabana, que tantas vezes subi para estagiar no brilho da contracultura. Saudades da Dona Neuma, do Eufra de Abreu, do Jagar, do Nani e do Henfil na redação d’O Pasquim. 

Aprendendo e ensinando uma nova lição, conversei com a minha querida Celina Carvalho, que eu chamo, carinhosamente, ‘Dama Ramalhete’, viúva do saudoso e inesquecível cantor-poeta Tavito, que colhia a pimenta e o sal, com magnitude gigantesca e plantou muitos amigos do peito e nada mais, sobre as músicas que ele compôs, seus significados, suas histórias, suas mineirices e fontes de inspiração, bem como minha curiosidade sobre alguns temas e porandubas. 

Papo foi, papo voltou alegremente, com histórias sensacionais de nosso amigo, ela me passou um depoimento, lírico e emocionante. Vi uma lágrima no canto daqueles olhos castanhos-esverdeados, falar do seu amado e sempre amadíssimo para todo e sempre, Luís Otávio. Companheiro de palco de nada mais, nada menos que Vinícius de Moraes, cujas cartas trocadas entre ambos ela guarda carinhosamente numa caixinha de marchetaria, ricamente ornada e decorada,
  A rua Ramalhete fica em Belo Horizonte, entre os bairros Anchieta e Serra. Tem esse nome singelo, envolto em certo lirismo de memórias guardadas numa adolescência especial, em tremores, tardes fugidias.

Sabe de uma coisa? Eu vejo flores em você. Da alma, a mais linda flor!



Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.