Sumaya Lima estreia com o livro de contos As sementes que o fogo germina

 por Mirada__




“As histórias reunidas neste volume de estreia parecem começar sempre um pouco antes ou logo depois de alguma tragédia subentendida, de algum súbito declínio na vida dos personagens, e nos dão frequentemente a impressão de que não deveríamos nos demorar muito por ali ou de que chegamos tarde demais.”

Alexandre Arbex, no texto de orelha do livro

Com uma narrativa que mistura ironia, lirismo e crueza, a paulistana Sumaya Lima faz sua estreia literária com o livro de contos As sementes que o fogo germina (Mondru Editora, 84 páginas). A obra reúne 26 histórias que exploram temas densos e universais, como a solidão, o bullying e as relações abusivas, sem se esquivar de aspectos sombrios da condição humana.

Um dos contos mais marcantes do livro retrata uma senhora de 94 anos sendo lançada de uma ponte ao mar sem qualquer explicação aparente, um exemplo do tom desconcertante e provocativo que permeia a coletânea. Sumaya, que iniciou os textos durante a pandemia de 2020, afirma que vê a literatura como um campo aberto para tratar o indizível. “Acho que a literatura, como todas as artes, não deve se furtar à exploração de nenhum aspecto da condição humana, por mais sombrio que seja”, explica.

As histórias apresentam personagens em constante conflito, oscilando entre ações drásticas e uma paralisante passividade. O avô que revive memórias sensoriais da neta, o menino que busca na natureza a cura para sua dificuldade de falar, e a matriarca que insiste em apagar as velas antes de iniciar sua festa de aniversário são apenas alguns exemplos de uma galeria rica e complexa.

A construção literária e suas múltiplas camadas

Os contos do livro têm início, meio e fim, mas algumas histórias desdobram-se em capítulos posteriores, revelando novos mistérios e perspectivas. Essa estrutura narrativa, aliada à maturidade na construção de personagens, é um dos pontos altos da obra. Para Sumaya, a complexidade das personagens é essencial, mas suas ações e pensamentos devem permanecer sob "leis próprias", evitando julgamentos fáceis.

A escrita de As sementes que o fogo germina foi um processo minucioso. A autora reescreveu a maioria dos contos mais de 20 vezes antes da publicação. “É um inventário de histórias que necessitaram do meu corpo para vir à tona”, e complementa: “Este livro tem o desejo de chegar ao leitor na forma de tesão, de dor, de alegria e desespero, ou seja: tudo que senti escrevendo”.


Da poesia à ficção

Formada em Letras pela USP, Sumaya Lima tem mais de 25 anos de experiência como editora, revisora e preparadora de textos. Apesar de escrever poesia desde jovem, foi em 2020, durante oficinas literárias, que a autora se aventurou na prosa de ficção, gênero que a cativou imediatamente.

Com influências que vão de Machado de Assis e Hilda Hilst a Beth Carvalho e Simon & Garfunkel, passando por filmes como O beijo da mulher aranha, Sumaya imprime em sua estreia uma riqueza de referências. “É a experiência que eu gosto de viver com a leitura: ativa, sem o apoio de conclusões prontas fornecidas pelo enredo ou de indicações feitas por quem escreveu”, revela.


Uma obra que desafia o leitor

Sem oferecer respostas fáceis, As sementes que o fogo germina convida à reflexão sobre os paradoxos e as fragilidades humanas. A estreia de Sumaya Lima na literatura é marcada pela coragem de abordar temas incômodos com uma escrita que equilibra rigor técnico e sensibilidade artística. O livro já se consolida como uma obra indispensável para quem busca narrativas instigantes e profundamente humanas.


Confira um trecho do livro (págs. 19 e 20):


“É manhã e nada está ligado. Ainda leio repetidas vezes palavras insuportáveis redigidas sem nenhuma rasura, como é normal na apresentação de uma desgraça. Sem destapar nenhuma lágrima, sou uma torrente de dor. Afago as páginas da carta com as mãos, nos lábios. O redemoinho no meu peito me convoca, e sucumbo. Estou submersa na lembrança do corpo de meu pai à minha frente, rijo, incorruptível, obscuro e inerte. Aperto as palmas com força e esvaneço.

Por quanto tempo uma pessoa é capaz de andar na vida com verdades enterradas dentro de si? Como respira quando ocupam todo o espaço entre as costelas, quando entopem suas veias, sufocam a garganta? Meu pai tinha segredos enovelados nos órgãos internos como teias tumorais. Estrangulado, sem vazão, privado de si, era um corpo tomado por uma batalha entre a razão de ser e a impossibilidade de ser”.  



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