Um vago Oriente – Seis poemas de Manoel T. R.-Leal

 por Manoel Tavares Rodrigues-Leal_





Fotograma de “As Mil e uma Noites” (1974) de Pier Paolo Pasolini


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“E eu vou buscar ao ópio que consóla

Um Oriente ao oriente do Oriente.”

Álvaro de Campos, “Opiário”


*


tu, de ti me despeço descalço em as areias de deserto.

já nem grito se ouve      e em nuas areias me deserto.

anjo me decifra      e em a alquimia dos instantes desperto, me despeço.


lx. 8-9-76 – caderno sem título


*


noites ausentes,

de alheio álcool:

de ventre de loucura, vento imóvel.


tempo registado com rigor,

recortado em harpas álgidas.


noite intacta (táctil?),

como a antiga geometria de arquitectura

e aventura (ave?).

exílio em brilhos isentos de algarismos árabes,

coração aceso de coisas efémeras, e sua sede e usura.


Lx. 20-1-66 | 19-10-75 – (para Isabel) – inédito – caderno Ensaio de Ausência

*


relevos a oiro e prata, altos laivos de melancolia, que riqueza!...

uma alva, pequenina praia, a de úbere alma…

e um sussurro perpassa em as sombras de um jardim secular.

e esse corpo noctívago, sonâmbulo, sexos de ânsias a desejar.

e a juventude, essência de beleza, essa em as ásias fulgiu e morreu de tristeza…


Lx. 16-7-76 – inédito – caderno Teorema (Homenagem a Pier Paolo Pasolini)

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“um raro oriente que brilha, sono de mim-mesmo” (M. T. R.-Leal)

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há um vago oriente a oiro em cada meu momento, que afinal é teu…

a madrugada tange seus instrumentos mortais. o que me perde, o que me perdeu

é não ser neutro perante nada, mas vasto imóvel mar de amor meu.

irmãos de meus irmãos e da irrecusável unidade, me sinto ninguém que há muito morreu.


Lx. 16-7-76 – inédito – caderno Teorema (Homenagem a Pier Paolo Pasolini)

*


tão separado do mundo, tão só, tão saturado,

que nem consinto a imagem de um jardim consumido

em alvas alvoradas tão cativas, em o sangue dos poentes,

e em sua heráldica folhagem que sussurra segredos infindos,

habitado por puro olvido e que jaz em a sedução de orientes. 


Lx. 20-7-76 – inédito – caderno Teorema (Homenagem a Pier Paolo Pasolini)

*


aqui me deslumbro

face aos espelhos impossíveis,

e me perfumo…


Lx. … 6-77 – inédito – caderno A Secreta Primavera 

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Manuscrito do segundo poema – “noites ausentes, / de alheio álcool […]”


“quanto, supremo, te quis é deserto, nulo pensamento,

que pensa, repensa e apensa pequenas coisas e o som de seda dum alaúde…” 

(dois versos de um extenso poema inédito – Lx. 30-8-76 – caderno sem título)


“Um Raro Oriente” – poemas de M. T. R.-Leal na revista Caliban

https://revistacaliban.net/um-raro-oriente-5-poemas-in%C3%A9ditos-de-manoel-t-r-leal-2cc5e111aaae

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* Seis poemas, cinco inéditos, coligidos de quatro cadernos por Luís de Barreiros Tavares




Manoel Tavares Rodrigues-Leal
(Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, caído no quarto, morrendo absolutamente só no Natal e passagem do Ano 2015-2016.