por Duarte N. Nóbrega__
O que antes rotulávamos de “uma coisa americana” parece agora ser um fenómeno mundial. A revolta contra o “sistema”, não de uma forma um tanto comunista como no tempo dos hippies, é hoje em dia uma “atividade” comum. A rebelião da nossa juventude parece ser um produto do “vazio” que toda a respetiva sente, exatamente como os jovens rebeldes dos anos 50 nos EUA sentiram assim que a Segunda Guerra Mundial teve o seu término, e de seguida o temor a uma iminente guerra nuclear entre o seu país e a União Soviética que se criou. Designou-se então a esse grupo demográfico de Idade Atómica (Atomic Age).
O filme clássico e de culto Fúria de Viver, estrelado por James Dean, é um dos filmes que mais jus faz a tudo isto. Retrata vários jovens com uma ânsia de pertencerem a algo. Algo de maior e que lhes era desconhecido. No filme o protagonista e os atores coadjuvantes tentam evitar uma realidade perigosa e “plástica”. Foi lançado em 1955, e o título, na língua original do mesmo, Rebel Without a Cause, é por si só bastante autoexplicativo. Outro grande exemplo é o poeta Allen Ginsberg que escreveu sobre almas jovens gritando e entorpecendo-se a si próprias em terraços, um poema que por sinal é datado de 1956, e nos dias de hoje presenciamos exatamente o mesmo; gritos nas ruas, protestos, marchas, tintas a serem atiradas, e alguns deles, com certeza, também sob o efeito de substâncias… Poesia é agora escrita de uma forma diferente, é escrita sob a forma de afirmações nas redes sociais, um meio de comunicação social ao qual os seus antigos pares não tinham acesso. Um novo e vantajoso meio que assegura à nossa juventude uma forma de difundir uma mensagem que por vias da forma tradicional, a media convencional, nunca seria transmitida. Aliás, retiro o que acabei de afirmar, porque a media convencional sente agora um certo receio em contradizê-los, mas isso fica para outra altura…
O “vazio”. Que tipo de vazio tem esta nova geração que os faz desabafar e lutar contra o que acha que não devia de fazer parte do senso comum? Temo que teremos de dissecar tudo isto em eras para que seja possível responder a tal. Vejamos: Nenhum vazio existia no fim dos anos 70, porque o ativismo cessou de certo modo com o fim da guerra do Vietname, por conseguinte, o consumismo disparou. É pertinente referir que o ativismo e o consumismo são indiretamente proporcionais, ou deviam. Dos anos 80 aos 90 qualquer forma de desejo por qualquer tipo de mudança foi ofuscada pelo entretenimento, computarização, música e, como todos sabemos, o movimento disco. Depois vieram os anos 2000, a bolha tecnológica, onde todos estavam demasiado ocupados para “combater” o quer que fosse. É de notar que isto estendeu-se até 2016. Este ano mencionado foi o ponto de viragem para uma nova era. Ideologias políticas começaram a se colidir visível e agressivamente, quer nos EUA como em todo o mundo ocidental. Mas o que se passou realmente para que tal acontecesse? Pergunto-me… Talvez, nós, como sociedade, acordámos um leão que estava adormecido há mais de quarenta anos. Greves, protestos por um planeta mais “verde”, demonstrações para encerrarem petrolíferas e tudo mais ressurgiu. Este estado de limbo, ao qual eu gosto de chamar a esta época até 2016, foi previamente profetizado pelo próprio cantor Jim Morrison, vocalista da famosa e infame banda The Doors, numa das suas poucas entrevistas. Com certeza ele estava na altura somente a falar sobre os hippies, e toda a instabilidade e furor que haviam nos campus das universidades norte-americanas, no entanto, não esqueçamos as suas influências, quer as musicais, quer as literárias, visto que era um ávido leitor, aspeto corroborado por todos à sua volta. Portanto, as suas ditas influências iam desde Burroughs a Kerouac, de Ginsberg até Cassidy. Todos estes mencionados pertenciam à geração chamada de Beat.
Por que não podemos então comparar a nossa atual juventude revolucionária com a era hippie, mas sim a uma época muito menos conhecida mundialmente como a geração Beat? Provavelmente, porque noventa porcento da mesma é beatnik, adjetivo dado a quem segue o movimento agora em estudo, ao invés de um mero hippie. Isto por uma única razão, hipocrisia. Mas deixemos este substantivo pejorativo para mais tarde. O consumismo monumental de hoje em dia, por várias razões, é quase comparável ao dos perfeitos anos 50 nos subúrbios estadunidenses, vida à qual os primeiros beatniks estavam expostos. Este nosso apego ao consumismo expõe todas as nossas táticas numa guerra de trincheira para alcançar uma liberdade partilhada. Os Beatniks, como “nós” agora, apreciavam mais a liberdade de expressarem e gritarem o que quisessem para que as suas almas preenchessem o tal vazio que possuíam, e, por conseguinte, apontando o dedo ao que havia de errado com o sistema, o mesmo sistema que corrompe as respetivas almas gritantes, contudo, no final do dia tudo permanecia, e, ainda hoje, permanece imutável. Claro que alguns que já se encontravam “lavados cerebralmente” eram capazes de voltar a abrir os olhos novamente com todas as poesias chocantes, sujas e arrojadas escritas por aqueles inquietantes indivíduos, mas, mais uma vez, nada de relevante mudou, caso contrário não estaríamos aqui hoje a escrever e a ler este tipo de artigo. Ao contrário dos nossos, os hippies repudiavam toda a forma de capitalismo e materialismo, e é exatamente por isso que estamos muito longe de nos darmos ao luxo de dizer que temos uma geração pós-Woodstock. Expondo isto podemos então agora trazer a “hipocrisia” de volta para a discussão e tentar interligá-la. Nenhum hippie genuíno e que se prezasse teria a audácia de participar num protesto contra os danos que diversas indústrias causam à natureza e a todos os seres que nela habitam e dela precisam, e de seguida irem diretamente a um centro comercial comprar um produto produzido maioritariamente de plástico, um subproduto do petróleo, e muito menos um dispositivo que fosse fabricado por mulheres e crianças no outro lado do planeta, um lado onde existe uma nova escravidão que muitos de nós recusa-se a olhar aquando experienciando aquele indiscritível prazer do tirar da película protetora, feita também de plástico, do ecrã de um telemóvel acabado de ser retirado da caixa.
A Música é também paradoxal, nos anos 60 a música tinha tudo que ver com transmitir uma mensagem de liberdade e fraternidade, todavia, a de hoje em dia gira em volta de sucesso, dinheiro, por vezes amor e luxúria. É aqui que reside a questão, estarão eles simplesmente a celebrar o facto de serem jovens ou a construir uma fachada? Os hippies apesar da sua agenda que apelava a um mundo livre de guerras, poluição e tudo mais, não deixavam de ser jovens. A sua diversão não cessou só devido ao facto da quintessência de um estilo de vida que pregavam, por isso, a música e a droga continuavam a serem celebradas. Até certo ponto, esta chamada “hipocrisia” dos dias de hoje pode ser somente jovens almas contradizendo involuntariamente o fardo demasiado pesado que querem levar às costas. Terem o novo produto em voga e a validação dos seus pares pode ser a razão para fazê-los irem contra as suas próprias ideologias, provavelmente seja a nova droga dos nossos beatniks disfarçados de hippies.
Concluindo assim, a nossa juventude que quer realmente fazer a diferença devia ter em mente o que Morrison uma vez disse, talvez não exatamente relacionado com isto, porque muitas vezes ninguém fazia a ideia do que Jim articulava, mas passo a citar as suas palavras: “Esqueceram-se das lições da guerra ancestral? Estamos a ser direcionados para matadouros por almirantes plácidos […] Sabiam que somos governados pela TV?” Da mesma maneira que as guerras que o supracitado falava eram ancestrais para ele, a dele é-nos também antiga. Por isso, estaremos nós a nos afastar dos nossos “mestres”? Ou será apenas um ciclo inevitável quando um movimento é criado? Mesmo quando temos pontos de referência e estruturas standards, criadas por aqueles que vieram e lutaram antes de nós, de como devemos atuar e remar na mesma direção…
Duarte N. Nóbrega nasceu na Madeira, Portugal em 1996. É licenciado em Línguas e Relações Empresariais pela Universidade da Madeira. É argumentista, romancista e poeta. Vendeu o seu primeiro argumento a um produtor independente de Los Angeles em 2020. Duarte também já foi publicado nas revistas literárias norte-americanas Twenty-Two Twenty-Eight, diversas vezes em Teach Write by Katie Winkler e na Birmingham Arts Journal.