Arroboboi! | Crônica de Sheila Carvalho

 por Sheila Carvalho__



Certo dia de janeiro de 2021, Léo, Laís e Dadá foram curtir o dia de sol na praia da ponte e eu fiquei. A dissertação urgia. Trabalhando na varanda lá de cima, o dourado do sol reluziu diferente, chamando minha atenção para um ponto próximo ao rio. Quando olhei, me deparei com o dourado do sol na cauda de uma caninana que se espreguiçava e se aquecia sob os primeiros raios do dia. Não acreditei no que vi! Nunca havia me deparado dessa forma, podendo admirar à distância e de camarote, a grandeza deste animal, pelo qual aprendi a ter respeito, temor e que, naquele dia, ganhou também a minha admiração. Desci correndo, a princípio no intuito de fechar a porta para que ela não entrasse em casa. Mas logo fui atraída a contemplar o seu desfile pela margem do rio. Quando já não podia mais acompanhar seu deslizar na mata, fui tomada por um sentimento de paz e gratidão, me pondo a chorar e agradecer. Não sabia muito bem a quem e pelo que estava agradecendo, mas eu sabia que aquele momento era uma dádiva, algo sublime, um presente da natureza. Eu ainda não sabia quem estava a passear pelo quintal, mas pude sentir sua força e seu amor. Meses mais tarde, após atravessar um ano muito difícil, tive a revelação de que aquela caninana era Oxumarê, de quem tive a confirmação de ser filha. Ficou explicado então o choro copioso e o peito inundado de gratidão daquele dia após o nosso encontro: era o sagrado se apresentando para mim. A partir de então, toda vez que retornava a visitar estas margens do rio Bonito, me punha a observar e a procurá-la, ansiando por um novo encontro. Depois de alguns anos nessa incessante busca, me dei conta de que investigar as margens do rio à sua procura era um trabalho em vão. Foi ao me banhar nas águas do rio Bonito certo dia que entendi algo que demorei muito para me dar conta: para encontrá-la, basta olhar para dentro. Ela está comigo, dentro de mim, para onde quer que eu vá. Arroboboi!




Sheila Carvalho
 é uma carioca de nascença, criada em Niterói e moradora de São Gonçalo. É cronista, geógrafa, professora de geografia e pesquisadora de doutorado interessada em abordagens geoliterárias, especialmente nas geografias machadianas na cidade do Rio de Janeiro. Gosta de música, de plantas, de pôr do Sol, de rua e gentes; e de observar e escrever sobre as sutilezas e pequenices cotidianas.