por Taciana Oliveira__
a mulher que amei
cheira a coisa doce
e borracha queimada
desliza gordura
na terra do fogo laranja e azul
a mulher que amei-tesouro íntimo
é contorcionista nas labaredas
delicado assombro
enterra segredos em minha cara
desenterra verdades de minha pele
se liberta pelo gás metano
A narrativa é crua e carnal, marcada pela dor de um tempo implacável, um tempo em que a poesia não pode ser mera contemplação, mas sim denúncia e enfrentamento. A aridez da realidade se reflete na dificuldade de encontrar direção — “no silêncio que precede a concepção e que reverbera depois do que é decomposto” — e na resistência de uma mulher que se recusa a se adaptar o que não lhe traduz. Oscilando entre o lirismo e a revolta, a poeta traça um panorama de ausências, de deuses apátridas e de amores que se tornam fantasmas.
as línguas finíssimas das cobras — e dos bichos sensuais —
[dizem ser libidinosa a melancolia
mastodontes sussurram que me divirto com objetos
[perfurantes & vinho
essa forçosa alegria social cheira à flor de velório]
Seus poemas, carregados de indignação e lucidez, confrontam a brutalidade histórica, evocando os horrores do passado e a barbárie do presente. No entanto, mesmo em meio ao caos, há espaço para o amor, ainda que tortuosamente, e para uma esperança combativa, que se ergue mesmo quando o mundo parece desmoronar. “para dançar na cerca elétrica” é uma ferida aberta e um ato de resistência. Uma voz que não se cala, mas que ressoa como denúncia e insurreição, transformando o verso em luta e a palavra em testemunho de um tempo que clama por ser narrado — mesmo quando parece inenarrável.
Conceição Rodrigues nasceu em Arcoverde, portal do sertão pernambucano, viveu a maior parte da vida no Recife, onde reside até hoje. Graduada em Letras, especialista em Literatura e mestra em Estudos da Linguagem, atua como professora na rede pública estadual. Sua trajetória literária inclui menções honrosas no III e IV Prêmio Pernambuco de Literatura, respectivamente pelos livros Corda para nós (contos) e 323 (romance). Trabalhou como assistente de Raimundo Carrero na Oficina de Criação Literária da UBE e tem participação ativa em antologias, além de atuar como assessora, mentora e leitora crítica em produção textual literária. Publicou os livros Molhada até os ossos (2020, poemas), Os dedos das santas costumam faiscar (2021, poemas) e E Deus não acudiu ninguém (2023, contos), todos pela Editora Patuá.
Três poemas do livro “para dançar na cerca élétrica”
eu quero te dizer
coisas que a ninguém não digo
o que me descontrolou
foi meu remédio controlado
a arte de me fazer pequena é estratégia de
cinismo dessa guerra sem cessar
almoço ansiolíticos e espoletas
a vida cheira à páprica doce
eu fico cheia d'água
o cristo crucificado já não
é capaz de encostar a cabeça nos joelhos
está esticado rijo ressentido
transpassado da lança
seu corpo esguicha salmoura e vinagre
feito os líderes da guerra fria
cristo tem seu corpo preto queimado
pela ku klux klan
take your best shot, baby
tenho depressão simpática e comunicativa
como se caminhasse em tel aviv
orgulhosa de minha tecnologia mórbida
darling, nenhuma luz escapa
à ressaca e ao buraco negro
todos se contorcem ao som das trombetas
os humilhados têm espíritos estridentes de guitarras
vestidos em espíritos farrapos remorsos homéricos
orbita as frontes e os mundos, habibi
uma mágoa sorridente estéril
as gueixas que passam no seu feed
torturam pés e servem chás
as noites de gaza são iluminadas por cometas
que explodem não importa se é noite
festividade nascimento féretro
adorei os querubins esqueci do profeta
o telescópio caolho é capaz de avistar
meio lugar para as almas deste mundo
me brecho pela mira da baioneta
amazona desdenhada por templários
agora posso emergir de meu fundo cínico e matreiro
se vocês calassem as línguas
poderiam inferir as expressões de uma mulher
do avesso e sem véus
Serviço
Lançamento do livro “para dançar na cerca elétrica”
Autora: Conceição Rodrigues
Editora: Patuá
Local: Cultura Nordestina de Letras — Rua Luíz Guimarães, 555 | Poço da Panela, Recife
Data: Sábado, 15/02/2025
Horário: 19h
Entrada: Gratuita