Lançamento do livro Para Dançar na Cerca Elétrica, de Conceição Rodrigues

 por Taciana Oliveira__



                                                      
Em “para dançar na cerca elétrica” (Patuá, 2025) Conceição Rodrigues não se submete a concessões, é uma obra de resistência. Seus versos afiados confrontam a acidez do mundo, estabelecendo uma estética que se recusa ao silêncio e expressa o inexprimível. Em tempos de misantropia e isolamento, seus versos surgem em forma de grito contra a banalização do sofrimento e a neutralização das emoções.


a mulher que amei


 cheira a coisa doce

 e borracha queimada

 desliza gordura

 na terra do fogo laranja e azul


 a mulher que amei-tesouro íntimo

 é contorcionista nas labaredas

 delicado assombro


 enterra segredos em minha cara

 desenterra verdades de minha pele

 se liberta pelo gás metano


A narrativa é crua e carnal, marcada pela dor de um tempo implacável, um tempo em que a poesia não pode ser mera contemplação, mas sim denúncia e enfrentamento. A aridez da realidade se reflete na dificuldade de encontrar direção — “no silêncio que precede a concepção e que reverbera depois do que é decomposto” — e na resistência de uma mulher que se recusa a se adaptar o que não lhe traduz. Oscilando entre o lirismo e a revolta, a poeta traça um panorama de ausências, de deuses apátridas e de amores que se tornam fantasmas.


as línguas finíssimas das cobras — e dos bichos sensuais —

                                    [dizem ser libidinosa a melancolia 


mastodontes sussurram que me divirto com objetos 

                                                      [perfurantes & vinho

 essa forçosa alegria social cheira à flor de velório]


Seus poemas, carregados de indignação e lucidez, confrontam a brutalidade histórica, evocando os horrores do passado e a barbárie do presente. No entanto, mesmo em meio ao caos, há espaço para o amor, ainda que tortuosamente, e para uma esperança combativa, que se ergue mesmo quando o mundo parece desmoronar. “para dançar na cerca elétrica” é uma ferida aberta e um ato de resistência. Uma voz que não se cala, mas que ressoa como denúncia e insurreição, transformando o verso em luta e a palavra em testemunho de um tempo que clama por ser narrado — mesmo quando parece inenarrável.


Conceição Rodrigues nasceu em Arcoverde, portal do sertão pernambucano, viveu a maior parte da vida no Recife, onde reside até hoje. Graduada em Letras, especialista em Literatura e mestra em Estudos da Linguagem, atua como professora na rede pública estadual. Sua trajetória literária inclui menções honrosas no III e IV Prêmio Pernambuco de Literatura, respectivamente pelos livros Corda para nós (contos) e 323 (romance). Trabalhou como assistente de Raimundo Carrero na Oficina de Criação Literária da UBE e tem participação ativa em antologias, além de atuar como assessora, mentora e leitora crítica em produção textual literária. Publicou os livros Molhada até os ossos (2020, poemas), Os dedos das santas costumam faiscar (2021, poemas) e E Deus não acudiu ninguém (2023, contos), todos pela Editora Patuá.


Três poemas do livro “para dançar na cerca élétrica”



eu quero te dizer


 coisas que a ninguém não digo

 o que me descontrolou

 foi meu remédio controlado

 a arte de me fazer pequena é estratégia de

 cinismo dessa guerra sem cessar 


almoço ansiolíticos e espoletas

a vida cheira à páprica doce 

eu fico cheia d'água


 o cristo crucificado já não

 é capaz de encostar a cabeça nos joelhos

 está esticado rijo ressentido

 transpassado da lança


 seu corpo esguicha salmoura e vinagre 

feito os líderes da guerra fria

 cristo tem seu corpo preto queimado

 pela ku klux klan



take your best shot, baby


 tenho depressão simpática e comunicativa

 como se caminhasse em tel aviv

 orgulhosa de minha tecnologia mórbida


 darling, nenhuma luz escapa

 à ressaca e ao buraco negro 

todos se contorcem ao som das trombetas

 os humilhados têm espíritos estridentes de guitarras

 vestidos em espíritos farrapos remorsos homéricos


 orbita as frontes e os mundos, habibi

uma mágoa sorridente estéril 

as gueixas que passam no seu feed 

torturam pés e servem chás



as noites de gaza são iluminadas por cometas


 que explodem não importa se é noite

 festividade nascimento féretro


 adorei os querubins esqueci do profeta

 o telescópio caolho é capaz de avistar 

meio lugar para as almas deste mundo


 me brecho pela mira da baioneta

 amazona desdenhada por templários

 agora posso emergir de meu fundo cínico e matreiro


 se vocês calassem as línguas

 poderiam inferir as expressões de uma mulher

 do avesso e sem véus



                      


Serviço


Lançamento do livro “para dançar na cerca elétrica”

Autora: Conceição Rodrigues

Editora: Patuá

Local: Cultura Nordestina de Letras — Rua Luíz Guimarães, 555 | Poço da Panela, Recife

Data: Sábado, 15/02/2025

Horário: 19h

Entrada: Gratuita



Taciana Oliveira — Natural de Recife–PE, Bacharel em Comunicação Social (Rádio e TV) com Pós-Graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual. Roteirista, atua em direção e produção cinematográfica, criadora das revistas digitais Laudelinas e Mirada, e do Selo Editorial Mirada. Dirigiu o documentário “Clarice Lispector — A Descoberta do Mundo”. Publicou Coisa Perdida (Mirada, 2023) livro de poemas.