Reviravolta | conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


Foto de Jr Korpa na Unsplash


Tenho menos de uma semana para voltar ao trabalho. Tirei licença médica para me tratar, por três meses — o pedido era de seis meses, mas o INSS só concedeu três meses. E olhe que o tratamento é psiquiátrico, algo que demora a se concretizar. Tem horas que penso se é melhor morrer a ter de assumir meu posto de trabalho. Uma pilha de processos me espera. Uma turma de companheiros me espera, para pedir favor, para atrapalhar a minha concentração, para que eu suporte, com eles, o peso dos dias. Quando falo em morrer, é de morte natural, não tenho coragem de tirar minha vida; mas não tenho um pingo de medo da morte, do que possa suceder depois. Religioso eu não sou, mas creio em Cristo. Talvez isso possa me salvar num possível juízo final. A repartição é grande, muitas cabines, colegas, secretários e chefes. No meu caso, tenho um chefe digamos que ameno, mesmo assim faz cobranças exageradas, com prazos já estourados, o que me tira do sério, sem saber como reagir a esses mandamentos. Dirigi uma mensagem fraterna ao meu chefe, dizendo que iria voltar na próxima semana, e ele me respondeu: “Muito bem, Arnaldo, muito serviço lhe espera. Um abraço e se cuide”. Ele tem mania de mandar eu me cuidar, sendo que é um dos gatilhos que me faz perder o tino. Ele devia ter consciência e saber que o Cláudio, o Claudinho, saiu da repartição — pediu para ser posto em outro setor — alegando problemas psiquiátricos, e que ele era um dos culpados por tanto aperreio. Se bem que o problema dele era muito pior que o meu, tomava remédios fortíssimos e vivia calado pelos cantos, chorando. Claudinho está agora num posto bem mais tranquilo, podendo se tratar, e o achei, da última vez que o vi, ótimo, bem-disposto; até me chamou para tomar um café e me perguntou se eu também não conseguiria essa mudança de posto. É o meu sonho, mudar de vida, isso sim. Abandonar, jogar os papéis para o alto, como vi num filme, e simplesmente sair e ir vender minha arte na praia, mas nem arte eu sei fazer. Loucura. A gente pira mesmo, por diversos motivos, na repartição, cujo nome não posso dizer, para não ser punido — posso sofrer um processo disciplinar e ser exonerado do cargo, de um concurso que lutei tanto para conseguir. E eu mal sabia que estava indo para o inferno. Nunca fui curioso para pesquisar como era na prática. Fui inocente, o boi indo tranquilo para o abate, sem ter conhecimento de nada. Aprendi, ali, a lei da selva: há os herbívoros, mas há também os carnívoros, e esses são os mais perigosos, porque querem esfolar a sua pele humana e colocar como troféu. Uma vez eu ouvi o Sérgio dizer que quem tirou o pamonha do Claudinho dali foi ele, sob a alegação de que não gostava de trabalhar com “viado”. Esse é o nível do recinto onde trabalho. Daí, tire as suas conclusões.



Adriano Espíndola Santos
 é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com