por Nely da Costa Barbosa__

Não sei ao certo por que comecei a remexer aquelas lembranças, tampouco o que, de fato, procurava, talvez nada em específico, quem sabe apenas alguma boa memória, algum momento compartilhado que me trouxesse esperança. Se eu fosse mais corajosa, talvez saberia. Mas antes de tudo, lembrei de você. Recordo de ter ficado parada à porta do quarto, sem saber por quanto tempo, contemplando cada detalhe do seu antigo aposento. Cheguei a ver você deitado na cama, olhando para mim, sorrindo. Fui me aproximando, e, quando me dei conta, você já estava na cadeira ao lado, com o álbum de fotografias nas mãos. Me vi criança, sentada ao seu lado, tomada por uma curiosidade imensa por aquelas personagens — algumas cheguei a conhecer pessoalmente, outras só existiam nas histórias que você me contava. E havia ainda aquelas que estavam ali, na sala, gargalhando, alheias à minha ausência… à nossa. Foi então que um beija-flor entrou pela janela e sobrevoou a mesa de cabeceira, talvez atraído pelas flores no vaso antigo sobre o móvel. Segui seus movimentos, ágeis e precisos, mas só quando ele pairou no ar, bem diante da mesa, é que percebi: ele parecia me apontar aquela gaveta. Há muito não me interessa tão intensamente por algo, não resisti, abri-a e comecei a revirar os papéis, documentos, cartas, recortes de jornais e revistas, fotografias antigas, cartões de natal. Vejam bem, cartões de nata!
Pensei no espanto de um jovem, hoje, ao saber que usávamos cartões para desejar boas festas às pessoas que nos eram especiais — enviados pelos correios, mesmo que as víssemos diariamente —, eles jamais compreenderiam a elegância contida nesse gesto.
Dentre toda aquela folharia, encontrei um anel, não recordo de tê-lo visto antes, de quem seria?. Não me pareceu um anel de compromisso, tampouco de formatura e não encontrei razão alguma para estar ali, guardado. Talvez um presente, mas sem nenhum vestígio de amor.
Havia algo que lembrava você — as roupas pretas, as unhas vermelhas, aquele estilo entre o gótico, o sensual e o indeciso… exatamente como você sempre foi.
Deixei o anel sobre a cama e voltei aos papéis, ainda sem saber o que, de fato, estava procurando. E, agora, meses depois, continuo sem resposta.
Só sei que preciso seguir em frente, trilhar esse novo caminho onde, quem sabe, eu possa te encontrar — de outro jeito.
Nely da Costa Barbosa, nasceu em agosto de 1969 em Recife–PE, graduada em História pela Universidade Católica de Pernambuco, estudou música na Universidade Federal de Pernambuco e no Conservatório Pernambucano de música. Atualmente desenvolve pesquisa na área de cinema, mais especificamente sobre o trabalho do cineasta pernambucano Camilo Cavalcante. É apaixonada pelos livros e toda forma de arte. Começou a se aventurar na escrita ainda muito jovem, mas só agora decidiu compartilhar suas experiências com o público, acreditando estar vivendo um momento mais prolífico e mais tranquilo para se dedicar a essa arte.