por Adriano Espíndola Santos__
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Fotografia de Carlos Monteiro |
Tempo quente. Nenhum vento para me salvar. Estava prestes a subir para o Cristo Redentor. Primeiro dia da semana que havia sol. Lógico, todos resolveram ir ao Cristo, aproveitar o dia, e tinha, ali, mais de quinhentas pessoas, de todas as nacionalidades. Estávamos no fim da fila. Perto de uma argentina, ouvia quando ela soltava os seus “boludos” nas frases. Todos estavam estressados. Como se quer ver o Cristo assim? Mas, ora, é uma das sete maravilhas do mundo, não se pode perder. Verdade que eu já o conhecia, mas minha esposa não, ela queria vê-lo de perto. Estávamos em família, minha mãe, minha tia, meu filho de quatro anos — que não estava entendendo nada —, minha esposa em êxtase, a mais animada; e eu. Minha mãe e minha tia reclamavam prioridade por idade a um dos seguranças. “Mas, minha senhora, olhe para a fila, veja quantas preferências teríamos se acatássemos”. Aí veio o trunfo, que nessas horas tem serventia — falo isso porque ninguém da minha família liga para a minha condição —, minha esposa disse que eu era autista e que tinha, sim, prioridade. Foi a hora que nos deixaram entrar para outra fila menor. Tive de mostrar o laudo no ato da compra dos ingressos. A atendente fez uma cara de quem não acreditava, mesmo assim deixou passar. O autismo não tem cara, jeito; não se vê um autista como uma pessoa com deficiência física, por exemplo; pode ser para muitos somente um dengo. Fiquei quieto, apesar de extremamente cansado de tantas idas e vindas. Mudaram-nos de posição umas três vezes, porque éramos a prioridade depois de dois tipos de preferência, por deficiência física e por bebê de colo. Finalmente chegou o trenzinho — não é mais um bondinho, como peguei no passado —, climatizado, com bastante espaço, para cerca de duzentas pessoas, assim avalio. O ar-condicionado não funcionava bem, não tinha meios de amparar aquela ruma de gente. Minha mãe saltou dizendo que logo teríamos o ar fresco e a névoa que circundava o próprio Cristo. Numa subida de pouco mais de dez minutos, descemos para pegar a escadaria. Sim, ainda havia um trecho de escadas, pelo menos quatro lances, para chegar literalmente ao Cristo. Subimos devagar. Minha tia e minha mãe foram de elevador, um troço mais demorado. Meu filho pedia colo a todo momento. Chegamos, ufa! Sim, havia uma névoa cobrindo o Cristo, que quase o apagava, e essa névoa não nos tocava. O sol, ainda por cima, era escaldante. As pessoas se acotovelavam para pegar o melhor ângulo. Eu queria, mais do que tudo, sair dali. Queria que minha esposa se desse por satisfeita. Ela seguia eufórica. Tirou algumas fotos comigo, num ângulo impossível para as leis da física. Tentava abstrair e rezava a Nosso Senhor para me livrar desse mal momento. Não foram mais do que quinze minutos lá em cima. Pedimos uma água que custava nove reais; um absurdo, mas meu filho precisava. Descemos, uns de escada e outros no elevador. Pegamos novamente a fila da preferência para descer. As pessoas, como na subida, nos olhavam com raiva, como se tivéssemos furado a fila. O trenzinho chegou, nos alojamos, e assim comecei a rezar e a sorrir, ainda meio cabreiro de que alguma coisa pudesse dar errado.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018, lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020, os livros de contos “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021, o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; em 2022, a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando; e em 2024, o livro de contos “Amparo secreto”, pela editora Urutau, e o romance “Viver morrendo”, pela editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.instagram.com/ adrianobespindolasantos/