por Adriano Espíndola Santos__
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Foto de Jr Korpa na Unsplash |
Não paro de pensar em Laís — de maneira suposta Laís, quero dizer. Da última vez em que fui ao interior, minha tia mais nova me chamou para uma conversa séria, e não entendi bem o que poderia acontecer. Com medo, fui. Entrei em sua casa pequenina, na zona rural de Cariri. Eu, sendo o filho mais novo de sua irmã, deveria saber do acontecido, ela disse. Sentamo-nos à sua mesinha de madeira velhinha, desgastada, numa espécie de cozinha improvisada, entre cortinas de chita. Antes de me contar o fato, ela preparou um café coado gostoso. Serviu-me numa caneca, igualmente velha. Tudo lá era muito simples, e, por questões da vida, morava só, não tinha filhos nem teria se casado. Trabalhava lavrando a terra e só tinha o que dava. Naquela estiagem, só lhe rendera um pouco de milho, que me foi servido, e um pouco de feijão. Ela não me chamou para almoçar, porque, decerto, só tinha para ela. Meio sem jeito, foi debulhando o assunto, com cuidado. Contou que minha mãe Josefa teria tido, dentre todos os oito filhos, um par de gêmeos, ou seja, um par de meninas. Nasceram saudáveis, e minha mãe, vendo que não poderia cuidar das duas, deu uma à Casa de Misericórdia, instalada no Crato. Fiquei arrepiado: minha irmã Tânia teria uma suposta irmã chamada Laís. Minha tia ainda tentou pegar a menina para criar, mas foi desenganada por mamãe, porque “não era apropriada para cuidar de criança; era muito bruta”. Sim, minha tia havia sido vaqueira, a única da região, mas mudou a lida por problemas de saúde, mais especificamente osteoporose, que fez os seus dedos entrevarem. A partir daí, empreendi uma busca pela região. Passaria poucos dias na cidade, em razão do trabalho. Divulguei na televisão local, mas era muito certo, pelo que diziam, que, pela proximidade, as crianças eram doadas, naquele tempo, para o povo rico de Pernambuco. Não houve maneira de achar a bendita Casa de Misericórdia; era um lugar já desabitado e acabado pelo tempo. Voltei a Fortaleza e marquei uma reunião primeiro com minha irmã Tânia. Ela desacreditou por completo. Disse que mamãe não era de mentira e que isso era invenção de titia. Mas titia era de se fiar, uma mulher muito ligada à igreja, com a casinha toda entupida de santos. Tânia, de primeiro, falou que iria tomar satisfação com titia, pois estava ferindo a imagem de mamãe, já falecida. Reuni os meus irmãos homens, uma dificuldade colocá-los juntos, frente a frente. Gilberto disse que poderia ter um fundo de verdade, porque mamãe, quando nova, teria “soltado” que tivera filhos gêmeos, mas que um havia falecido. Carlos Alberto também confirmou a história: sendo o mais velho, relatou que mamãe, muitas vezes, era surpreendida chorando, e que lhe dizia que a razão era o filho que havia perdido, um menino, supostamente. A questão é que paira no ar alguma indisposição. Todos suspeitam, mas não querem levantar essa poeira, com medo do que possa acontecer depois. E se essa irmã estiver viva? Se for uma mulher de posses? Seria a chance de eu sair da pindaíba, quem sabe. Eu teria muito orgulho de tê-la como irmã, isso sim.
Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018, lançou seu primeiro romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020, os livros de contos “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”; em 2021, o romance “Em mim, a clausura e o motim”, pela Editora Penalux; em 2022, a coletânea de contos “Não há de quê”, pela Editora Folheando; e em 2024, o livro de contos “Amparo secreto”, pela editora Urutau, e o romance “Viver morrendo”, pela editora Folheando. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.instagram.com/ adrianobespindolasantos/