... O retorno | Crônica de Carlos Monteiro

por Carlos Monteiro__


                                            
                                  
                               
                                              
                                   
                                      
                                     
                                  
                                      
                                              
                     

... O retorno

 

Estranhamente o que, antes da pandemia, era evento pontual e isolado, hoje parece ser tônica: retornar um ‘chamamento’.

            Talvez o ‘à flor da pele’ tenha intensificado esta prática, ou melhor, a falta dela. Considerando que, o, já não tão comum, home office acabou por fazer com que as pessoas disponibilizem mais tempo online, profissionalmente falando é claro, não se justificam os ‘buracos negros’ e ‘limbos’ abandonados. Um vazio de desatenção infindável; total abandono.

            São comunicações de toda ordem — profissionais, pessoais, de felicitações…, por todos os meios que levam a uma estrofe de Ferreira Gullar, em “Cantiga pra não morrer”: “…Por tanta coisa que leve / Já viva em seu pensamento... / ...Me leve no esquecimento...”. Parece que a expressão de ordem, em tempos atuais, está entre Bob Marley e Gil “… Nas recordações retratos de um mal em si / Melhor é deixar pra trás…”.

            E ficam. Ficam a falta de soluções, respostas, agradecimentos, decisões, contrapartidas, o tudo e o nada… o primordial fica para trás, encoberto pela cortina chamada ‘véu do descaso’.

            Não que as respostas tenham que ser de bate-pronto, não tem relação com imediatismos. A questão é mais profunda e, com certeza, bem mais complexa. Levanta teses se há, no canhoneio diário que passamos a receber, uma autoproteção, ainda que de forma subliminar, para uma “Escolha de Sofia”, do que será ou merece ser respondido. Talvez, o medo insano que temos em dizer ‘não’.

            Por outro lado, as velhas ‘palavrinhas mágicas’, que tanto apregoamos aos nossos filhos, quiçá, netos, caem por terra. Onde foram parar os ‘obrigados’, ‘desculpes’ e ‘por favores’? Onde se esconderam os ‘tudo bens’, ‘olás’, ‘bom-dias’, ‘boa-tardes’ e ‘boa-noites’? Perderam-se na poeira das nuvens? Nos abismos tecnológicos? Nas abissais do esquecimento? Se uma mensagem foi enviada é porque alguém se importa com outrem.

            Talvez o mundo, diante do inesperado de tempos sombrios, tenha mudado seus conceitos. Talvez hoje seja mais importante discutir as futilidades da internet ou, quem sabe, as fofocas ‘do mercado’ a responder uma mensagem com um simples polegar erguido.

É, o mundo mudou…

… para pior!



Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.