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 por Adriano B. Espíndola Santos__


Jr Korpa

 

por Adriano B. Espíndola Santos__

 

Foto: Tom Barret

 

por Adriano B. Espíndola Santos___

 

Jr. Korpa

 

por Adriano B. Espíndola Santos__

 

Jr. Korpa

 

por Adriano B. Espíndola Santos __

 

Jr Korpa

 

por Adriano B. Espíndola Santos__


Fotografia: Jonatán Becerra


 

por Adriano B. Espíndola Santos __





 

 

por Adriano B. Espíndola Santos__


 

 por Adriano B. Espíndola Santos__

 

Jr Korpa

 por Adriano B. Espíndola Santos__

Fotografia: Daniel Tafjord

 

por Adriano B. Espíndola Santos__


JR Korpa

  por Adriano B. Espíndola Santos__


 por André Merez__



 por Adriano B. Espíndola Santos__



por Adriano B. Espíndola Santos__



 por Adriano B. Espíndola Santos__



 por Adriano B. Espíndola Santos___



Levanta a cabeça, estropício!”, com os grossos e insistentes gritos que escutou ao longo da curta vida, mínima, por último, feito uma chibatada na moleira, catapultou-se da letargia.

Arfava o peito de medo, só medo. Era o sentimento que vinha, complementado pela dúvida cruenta do que poderia suceder. Negligenciava tudo ao redor, uma espécie de defesa instintiva, para escapar dos vultos que lhe afetavam o andar, o falar; os sensos de vida.

Cada impulso de seu pai, o cioso vaqueiro Raimundo, ou respeitabilíssimo Mundo, como era conhecido, na chegada das lidas, revoltado com o quadro que se alastrara, envolvendo até a mulher e os filhos, que não davam conta do serviço, rendia à Quitéria a confusão e o atropelo, com as palavras que ela tentava decifrar, emboladas. Pelo citado ímpeto voraz, Quitéria comprimia-se em tremenda aflição. Nem por isso conseguia mudar o fluxo.

Dona Valda, a mãe zelosa, suplicou auxílio ao padre, que, ocupado, atendendo a duas comunidades, relatara que não teria tempo de vê-la tão cedo; que, se tivesse aperreio, ela mesma puxasse a novena de Santa Rita, para as causas difíceis, que ele, de onde estivesse, daria a sua bênção; que isso já valia muito; que a sua presença seria um detalhe, que competia a eventos graves; e que, pelo que notara, não vinha ao caso.

Mundo defendia-se, com a rabugem que lhe era peculiar, que estas seriam medidas necessárias, para que a filha não caísse na lassidão, na vadiagem, próprias de gente desocupada; sendo ela moça de família, muito bem criada.

Quitéria, no entanto, ouvia e nada entendia, deixando transparecer a indefinição, como se houvesse de fato, acompanhada de um comprometimento sobrenatural, algo que rápido atribuíram à obra do mal.

Não se levantava da cama fazia, exatos, quinze dias. Valda, por isso, cria em possessão, quebranto; o pai não media palavras: “Safadeza!”; que a “mocinha”, se não se ajeitasse, por si só, levaria umas boas peias, para aprender e para largar mão de tanta frescura. “Tudo tem um limite! Tudo tem limite! Se avexe, sinhá mocinha; tome tento!”.

Quitéria amofinava, progressivamente. Valda e os filhos, na surdina, tentaram rezadeira, orações de todas as ordens, e lhe entupiram de chás. Nada – ou quase nada – solapava a indisposição encruada.

Prostrada, sem forças nas pernas, com dores por todo o corpo, dedicou-se exclusivamente a orar, porque era temente a Deus; participou da novena levada a cabo pela mãe; seguiu a cartilha de boa filha, obediente. Mas, quando o pai abordava, afogueado, o processo desandava; e a moça, para se ver livre dos arroubos de loucura, colocava as mãos no rosto, principiava um choro miado, e declarava-se – ou queria declarar – ser frágil; estar tremendamente doente.

Valda não tirava os joelhos do chão e, também, não aprontava a casa e não preparava o de-comer, atrevendo-se a ser condenada pelo marido. Os irmãos de Quitéria, Francisco e Aldo, trabalhavam dobrado, para não serem enleados na história; e ajudavam a mãe, inclusive nos afazeres domésticos. Porém, sempre restava um bocado, que depressa Mundo percebia, com olhos de carcará sequioso, e reclamava arrumação; que não teria casado com mulher preguiçosa; que não teria criado filhos para serem prontos na vida; que, da próxima vez, cada um ia sentir o gosto de sua mão, para todos da vizinhança alcançarem o desgosto que sofria.

Claro, uma artimanha das mais potentes, perniciosa, porque ser recriminado em público por um pai e marido diligente – como se pintava – seria o decreto do esquecimento e da desgraça eterna. O homem, nesses tempos, ainda ditava os destinos dos seus; sejam bens ou pessoas coisificadas, que, contrariando os seus quereres, facilmente ganhariam o degredo da vida social, do convívio com a população.

O amor da mãe, que se colocava em choros convulsivos em frente à Quitéria, para protegê-la de uma premente tormenta, quando o pai partia para cima; segurando-o, em tempo de ser arrastada, levou a moça, episodicamente e aos poucos, a refletir, a recobrar os parcos sentidos.

Até que, sem meios, aproveitando o sono alheio, na calada da noite, tomou o rumo do vento, aprumada na jumentinha Juma. Não deixou carta, bilhete algum; ainda assim, Valda se comprazia com a ideia de liberdade, querendo ela mesma se debandar; e esperando, num dia próximo, ser resgatada por sua menina.

Por isso, Mundo vomitou o decreto: “Deserdada!”, pois que, argumentava, cheio de provas conjecturadas, teria se amigado ou virado rapariga; que não se falasse mais nisso. Qualquer atrevimento, praguejava, seriam todos deserdados, inclusive a mulher, que tanto o servira. Assim sendo, batera o cajado: assunto encerrado. Restaram ele e a imensa amargura.





Adriano B. Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance Flor no caos, pela Desconcertos Editora; e em 2020 o livro de contos, Contículos de dores refratárias, pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em diversas revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir - sempre. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Escrita Literária, pelo Centro Universitário Farias Brito. Atualmente cursa doutorado, também em Direito, pela Universidade de Salamanca. É, sobretudo, dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.


por Adriano B. Espíndola Santos__



por Adriano B. Espíndola Santos__

Fotografia: Lukas Bornhauser


Sustos graves, sequenciados, e, pronto, a carga emocional; e o medo no tracejar da vida. Menino Fernando precisava arranjar um jeito de se proteger da inexorável perturbação. Esse seu coraçãozinho, próprio de um passarinho, poderia não vingar: são.

Pois bem; vê-se uma aparente normalidade naquela casa de muros amarelos – porta afora. Fachada linda, pintada. Portões de alumínio, concordes à última moda. Um diplomata comodoro na garagem – o único, talvez, a ostentar, num raio de cem quilômetros, um toca-fitas com uma minúscula televisão. Amélia, uma amiga de mamãe, conjeturou vaga: “Amiga, que casa linda; que família maravilhosa! Benza Deus!”. Arrebatada pela superfície da beleza.
Não seja leviano, rapaz, não foi tão horroroso assim”. “Que exagero!".  A atroz consciência me condena. A inconsciência, o escape, por vezes me surpreende. O receio. O medo de ser injusto. Mas as pessoas não ouviram; não sentiram… Quem foi capaz de apartar de mim as brigas, os gritos, os estrondos monumentais? Como, pequeno, entender e digerir tudo; todo aquele peso adulto? Menino Fernando, tão franzino, quieto, calado, passivo, ingênuo: menino.

Agora, não devo me afobar tanto. É tempo de afinar as ideias; apurar desejos, sonhos. É estratégia de remição, aproveitar a proposta crível da transmutação, para me curar por ti, menino Fernando. Ouça-me. Ajude-me. Somos um.
Quando minha mãe arrebentou Iracilda na porrada, o meu ímpeto foi por sua defesa. Ainda que não fosse tão afeito à sua figura grotesca, passávamos horas e horas, eu e meu irmão, sob seus cuidados. Havia, claro, um sentimento ínfimo (de medo): “Se ela for embora, quem vai cuidar de mim quando mamãe não estiver?”.

Não sobrou tempo para tomar pé da situação. A mulher saiu escorraçada. “Quis seduzir seu pai; aliciá-lo, para se apartar de nós e arrumar uma nova família!”, mamãe vociferava. “Aquela cachorra quer que ele a sustente!”. Rondava a conversa que, de fato, papai preparava as malas; que, pouco a pouco, ia deixando coisas suas em Pacajus, para, prontamente, se mudar em definitivo. O calvário. O martírio. O espezinhar mórbido, renitente, impassível.
O rinoceronte irrompeu a paz, ao adentrar a casa, naquele fatídico dia. Bêbado, reclamou a presença de Iracilda, após um fim de semana incógnito. Não havia celular. O isolamento programado, desleixado, completo.

A convulsão o seguia. Mamãe aos prantos, porque o rinoceronte queria sumir de vez. Dessa parte só tive notícia. Eu dormia, às duas da manhã. Mas mamãe me acordou, desesperada: “Corra! Seu pai quer ir embora! Peça, pelo amor de Deus, para ele não ir!”. Um loop infinito: pelo amor de Deus. Pelo amor de Deus. Pelo amor de Deus. Uma dízima periódica, que dizimou o raso nirvana que se projetava em mim. Aos seus pés, quase em oração: “Pai, ‘pelo amor de Deus’, não vai embora! Pai, ‘pelo amor de Deus’, não deixa a gente aqui!”.

Chorava. Retorcia-me. Escondia-me nos profundos da casa. Sem saber o porquê daquilo tudo. Uma dor que ia e vinha, quando menos se esperava. Quando menos se espera.
A primeira vez. O rinoceronte não se foi, por mim. Senti-me fio frágil de uma suposta estabilidade.

Repetidas vezes, quando o rinoceronte se encantava com o mundo selvagem, lá ia eu, o pequeno redentor, que o tragava do fosso da perdição, agarrá-lo e suplicar: “Pelo amor de Deus!”. Depois (ufa!), a religião me substituiu nessa tarefa dolorosa – para o bem ou para o mal, abandonei a obrigação.

A bigorna me deixava circunspecto ao lugar e, por isso, me liberava na fantasia.

Louvo me derramar pela arte, com a boa vontade da posteridade para me aturar. Pois que, de outro modo, não poderia me desvencilhar dos vestígios do mau que me sucedeu.

Como Freud, meu refúgio e minha salvação é a literatura; a elucidação de minhas mais intricadas proposições; a chave de acesso e de conexão ao universo inconsciente, com dois trilhões de galáxias inexploradas em mim.

Caro menino Fernando. Muito caro. Caríssima a liberdade. Inalienável.

Enfim, sigamos, não é o fim.

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Adriano B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor dos livros Flor no caos, 2018 (Desconcertos Editora), e Contículos de dores refratárias, 2020 (Editora Penalux). Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados nas Revistas Acrobata, Berro, InComunidade, Lavoura, LiteraturaBr, Literatura & Fechadura, Mallarmargens, Mbenga, Mirada, Pixé, Poesia Avulsa, Ruído Manifesto, São Paulo Review e Vício Velho. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.


por Adriano B. Espíndola Santos__

Fortaleza