por Taciana Oliveira___
No artigo Mito construído II: o desenvolvimento da crônica esportiva brasileira, de Felipe Rodrigues da Costa, o autor pergunta: Teria sido Mario Filho que, trazendo uma nova forma de escrever, um estilo mais simples, sepultou a escrita de fraque dos antigos cronistas esportivos? Seria ele a referência do nascimento da crônica esportiva, incorporando ao gênero, além da nova linguagem, respeitabilidade ao ofício da crônica?
No artigo Mito construído II: o desenvolvimento da crônica esportiva brasileira, de Felipe Rodrigues da Costa, o autor pergunta: Teria sido Mario Filho que, trazendo uma nova forma de escrever, um estilo mais simples, sepultou a escrita de fraque dos antigos cronistas esportivos? Seria ele a referência do nascimento da crônica esportiva, incorporando ao gênero, além da nova linguagem, respeitabilidade ao ofício da crônica?
O
jornalista Mario Filho,
irmão do dramaturgo
Nelson Rodrigues,
é pioneiro
na criação de textos que promoveram
uma aproximação do jogador
de futebol
com
o leitor. Mas
é Nelson
Rodrigues, autor
do célebre A Pátria de
Chuteiras, o responsável
pela popularização do gênero. O escritor sabia como ninguém
transformar em arte literária
sua paixão pelo
esporte mais popular do país.
O jornalista Alessandro Caldeira recentemente criou o projeto Afinta, um espaço dedicado ao futebol e a crônica esportiva. Nessa edição publicaremos uma crônica e uma pocket entrevista com o autor.
A
crônica esportiva é um gênero visitado por figuras célebres como
Nelson Rodrigues e Armando Nogueira. Nelson a imortalizou como gênero
literário. Fala pra gente dessa sua paixão pelo jornalismo
esportivo. Nelson está certo quando afirma que “No futebol, o
pior cego é o que só vê a bola.” ?
Eu
acho que a minha paixão pelo futebol começou quando eu era criança.
Sempre fui muito viciado em futebol, mas sempre preferi jogar. Lembro
que eu tinha um jogo de botão e ficava montando campeonatos com
representação da realidade. Criava times, jogadores, montava
escalações, enfim, em dia de jogo eu não assistia futebol. Eu
ouvia no rádio e ia acompanhando enquanto meus times de botão
tinham seus campeonatos particulares. Depois que passou a infância e
a adolescência, tive uma fase que gostei mais de tática,
estatísticas, modelos de jogos e tudo mais.... Só que nunca me
sentia verdadeiramente bem com isso, não sentia que a representação
do futebol estava nisso porque se perde um pouco a humanidade sentida
durante o jogo. A partir daí eu decidi aceitar o que realmente
acredito, que é não só ver a bola, como ela vai até os jogadores,
mas sim o que os jogadores fazem com ela... Seus comportamentos, seus
sentimentos diante da bola.
Afinta
é o teu projeto pessoal. Um espaço para quem acredita na capacidade
de transformar o futebol em arte. Escrever sobre futebol ainda é um
execício afetivo sobre algo que define alma do brasileiro?
Eu
acho que o brasileiro tem muito interesse pelo futebol, de falar
sobre futebol. Embora esse interesse tenha diminuído por questões
afetivas e culturais. Mas vejo ainda assim muitos escrevendo como uma
forma de interagir com quem se interessa. Ainda mais hoje em dia que
as redes sociais, como o Twitter, permitem se falar sobre qualquer
assunto livremente.
O
poeta Paulo Emílio Azevedo diz que "Arquibancada de estádio de
futebol é igual missa de domingo - um senta e levanta danado
esperando Deus marcar um gol pra libertar o delírio" Pra você
futebol é uma liturgia, uma celebração?
O
brasileiro tem uma conexão muito grande com o futebol. A cultura
brasileira permite isso. Não é difícil encontrar um brasileiro que
tenha o sonho de ser jogador, e isso se deve muito à nossa formação
nas ruas. Normalmente são os meninos ou meninas que saíram de uma
família pobre que tem esse desejo. O futebol te permite ser o que
quiser. É aonde o brasileiro tem a capacidade de sonhar e
transformar em realidade através da bola. Sempre tivemos uma
tendência maior em jogar do que assistir futebol. Brasileiro gosta
de sentir o jogo na prática. Mas
isso mudou com o passar dos anos por estarmos presenciando um choque
cultural. Muitos "cientificistas" idolatram o que vem de
fora e expulsam o que vem daqui, rotulando como algo simples e pobre.
Isso gera um desinteresse, a torcida não se identifica com isso. Eu
vejo o futebol como uma celebração. É no campo que o brasileiro se
sente livre para ser o que quiser.
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O
Drible Interrompido
por Alessandro Caldeira
O
interesse desmedido pela vitória deixou o brasileiro alheio à
tradição da gestualidade corporal na cultura do País.
Certa
vez, numa quadra escolar onde amigos organizavam as “peladas”
todas segundas-feiras, o garoto que mais gostava de driblar recebeu
uma advertência de seu companheiro de equipe: “Não faça muita
firula”. Assim que acabou o jogo, o garoto comentou perto de mim:
“Eu não sei jogar bola”, convencido de que seu estilo de jogo
era errado.
Ao
mesmo instante, senti como se alguém tivesse tirado o sonho daquele
garoto, como um mágico limitado na criação de truques menos
ilusórios.
No
entanto, quem via o pequeno franzino jogar, logo se sentia diferente
perto dele. Em outras palavras, era como se o público obtivesse uma
nova descoberta quando a bola grudava nos pés daquele garoto. Os
comentários de quem o assistia eram os melhores possíveis: “Esse
garoto tem talento”. “Não dê muito espaço, senão já viu! ”.
“Ele não fica nervoso na frente de marcador algum”.
A
expectativa que a “torcida” gerava em cada toque na bola daqueles
pés pequenos e magros o transformava em uma “celebridade”, o
público notava-o, aquele era o momento em que ele podia interagir
com outras pessoas e tornar-se conhecido sem precisar falar, porque é
esse o objetivo do futebol: a conectividade social entre aqueles que
estão presenciando o jogo, dentro e fora da quadra.
Mas,
de repente, após aquele comentário que veio como uma faca em seus
pés, o futebol do menino sumiu junto com a vontade de ser notado
através de seu talento. Assim, o garoto se viu pisando em uma “terra
estrangeira”, deslocado em um espaço que não comportava seus
sonhos.
Entre
os brasileiros, o drible virou uma espécie de ritual profano, uma
dança Lundu. Parafraseando Nelson Rodrigues: Brasileiro é menos
brasileiro no Brasil. E a cena ocorrida naquela quadra fez-me
imaginar o peso daquele garoto em se sentir culpado por apreciar o
lúdico, o imaginativo, ou seja, por conservar o estilo brasileiro.
Se
Garrincha, Pelé e Rivelino tivessem no futebol de hoje, eles teriam
se aposentado sem ter dado um drible sequer na vida, impedidos de
exercerem sua arte por excelência por terem que ceder à obediência
da “ciência-tática”.
Porém,
não é novidade entre os “cientificistas da bola” a concordância
de que o futebol evoluiu e por isso não tem drible, ou de que o
futebol precisa ser mais competitivo, negando o drible como recurso
que leva à vitória.
Mas
eu contra-argumento dizendo que, na verdade, o futebol não evoluiu,
nós é que perdemos a essência do jogo brasileiro porque não
entendemos nada da nossa cultura, substância que se manifesta dentro
e extracampo, e que valoriza a nossa tradição lúdica.
É
mais fácil ver o brasileiro sair de seu País de origem e virar um
alemão, espanhol ou inglês relatando uma certa “cultura
futebolística” que aprendeu no exterior como se fosse ensinar aos
brasileiros um esporte novo.
O
último jogo da Seleção Brasileira, por exemplo, contra a Rep.
Tcheca, surgiu um comentário criticando a forma como o Brasil está
se preocupando demais com a tática, justificando que esse era o
principal motivo pelos jogadores do País não terem mais a
capacidade de driblar.
Não
demorou muito para os cientificistas da bola estufarem o peito e
refutarem a opinião dizendo que o brasileiro não pode ser mais
individualista porque o futebol mudou.
Porém,
a impressão que eu tenho é de que o futebol não mudou, mas a forma
como queremos interpretar o jogo brasileiro sem entendermos a cultura
do nosso país e as influências que dela decorrem.
Tomemos
o Carnaval como exemplo: imaginem um carnaval sem dança, sem todo
seu processo lúdico e, assim, limitando suas gestualidades
corporais, o que aconteceria de imediato? O público jamais teria a
capacidade de interagir com aquilo que está acontecendo porque
perderia a capacidade de sonhar em conquistar o mundo dançando.
A
mesma coisa é o futebol brasileiro: o jogador precisa ter espaço
para desfilar suas gestualidades para que não só ele, mas também o
público sinta prazer em estar participando. Sem isso, o jogador
perde a sua força e seu talento, desconexo com o público e
abandonado dentro de si.
É
o drible do jogador brasileiro que resulta na sua interação com o
torcedor. É a despretensão do jogador que desperta a aproximação
com as suas origens e o faz renascer de uma vida outrora
desconhecida.
Em
suma, cada jogador é um garoto impedido de driblar porque a
competitividade e a vontade de apenas passar a bola para ganhar,
respeitando a mãe-tática, é tão mais forte quanto a nossa
vergonha por termos uma cultura.
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Alessandro
Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere
postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura,
música e cinema.
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Taciana
Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club
do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e
literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do
abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.