por Dias Campos__
Zadig
Ontem tive que enfrentar uma
situação muito arriscada.
Mas
ao contrário do que se poderia imaginar, ela não ocorreu porque me esqueci de
colocar a máscara quando fui ao supermercado, porque não passei álcool gel
durante o período em que estive fora, ou porque fui obrigado, pelas circunstâncias,
a enfrentar um ambiente aglomerado.
As
minhas costeletas volumosas aliadas ao confinamento que nos foi imposto é que foram
as causas de tamanho risco.
É
compreensível, leitor amigo, que você tenha enrugado a testa.
O
desenrolar desta crônica, todavia, fará com que você compreenda aquela
afirmação.
Éramos recém-casados. No apartamento
faltavam ainda alguns móveis e globos nas luminárias. E como os nossos salários
não admitiam esbanjamentos, por um bom tempo as únicas quatro cadeiras revezaram-se
entre as salas de jantar e de estar, e as lâmpadas de 60 W irradiaram mais luz
do que deveriam.
Filhos?
Não passavam de hipóteses remotas.
Mas vivíamos muito felizes, como era
de se esperar.
É claro que os gostos e os hábitos
trazidos da vida de solteiro tiveram que sofrer as naturais adaptações.
Assim,
se antes o guarda-roupa era só meu, depois de casado tive que abrir mão de
(várias) gavetas; se antes eu usava a mesma faca para passar no pão o requeijão
e a geleia, depois de trocadas as alianças tive que me acostumar com uma faca
para cada pote. E por aí vai. – Aproveito a oportunidade para protestar, pois
até hoje reivindico pelo menos mais um gaveta!
Só
que existem certas práticas que são impossíveis de serem alteradas.
Por
isso, mesmo indo morar em bairro distante de onde vivia, não deixei de ir ao
barbeiro que frequento há mais de trinta anos.
Não
vou negar que, por causa da distância, cheguei a pensar em procurar outro
barbeiro. Até porque, há os que cobram menos, os que são mais rápidos, e os que
servem desde cafezinho até champanhe (desde que pague).
Esse
pensamento jamais se concretizou, pois como nunca mudei o penteado, nem preciso
dizer a ele o que quero. É só me sentar, pôr os assuntos em dia, e aguardar o resultado,
que sempre me agradou.
Certo
dia, porém, um presente que ganhei foi suficiente para que outras mãos substituíssem
as do meu barbeiro.
Minha mãe acabara de chegar de viagem do
exterior. Ao passar pelo free shop,
viu um cortador de cabelo recarregável, e se lembrou deste cronista.
O
presente vinha bem a calhar, pois o momento por que passávamos pedia que apertássemos
um pouco os cintos.
Por
conta disso, perguntei para minha esposa se ela toparia dar uma de barbeiro.
Essa
ideia a deixou um pouco receosa. Afinal, ela nunca manejara tal engenhoca.
Mas
como enfatizei que faríamos uma boa economia, o receio se foi, e ela aceitou o
desafio.
Sentei,
então, de costas, inclinei a cabeça, e pedi para que começasse a aparar de
baixo para cima, como sempre fez o meu barbeiro.
Ocorre
que a maquininha tinha mais beleza do que potência, pois longe estava de ser um
cortador profissional.
Apesar
desse mero detalhe, insisti para que prosseguisse.
Entretanto,
o aparelho não deslizava como supunha, o que obrigava minha esposa a aumentar a
pressão contra a minha cabeça.
E
de pressão em pressão, o terreno foi sendo vencido.
Devido
à falta de prática, que impunha lentidão no cortar, as baterias logo gastaram,
e o cortador perdeu a serventia.
E
a experiência teve que ser suspensa.
Só
que uma área razoável já tinha sido cortada. Nada mais natural, portanto, que quisesse
conferir o seu trabalho; mesmo que, para isto, tivesse que me contorcer na
frente do espelho.
Quando
me virei para falar com minha esposa, notei que seu semblante não refletia a felicidade
dos que se sentem orgulhosos.
E
gelei!...
Levantei
e fui ao espelho. E o que consegui identificar foi de partir o coração...
Eram
degraus! Sim, o que minha esposa conseguiu foi esculpir vários degraus na parte
de trás da minha cabeça!
Em
um primeiro momento, meus olhos se arregalaram, e minha voz simplesmente sumiu.
Em
seguida, levei a mão direita até aquela escada, na intenção de comprovar com o
tato aquilo que minha visão já tinha constatado.
Com
o passar dos segundos, contudo, meus olhos retornaram às órbitas, e minha voz reapareceu;
se bem que ainda trêmula.
Minha
esposa até quis se explicar.
Não
precisou. Deixei claro que ninguém tinha culpa.
E
o que se há de fazer quando nada mais pode ser feito? Chorar ou rir.
E preferimos a segunda opção.
Mas
o estrago aí estava, e precisava ser contornado.
Pois
tomei coragem, retornei ao meu barbeiro, e dei uma desculpa tão esfarrapada que
nem um tolo acreditaria.
É
claro que ele, experiente que só, em nenhum momento acreditou na minha
justificativa; tanto que percebi a sutileza com que levantou o canto esquerdo
da boca.
Mesmo
assim, arrumou o quanto pôde.
E
o que tudo isso teve a ver com o que afirmei no início deste texto?
Ora,
por força da quarentena, todos sabemos que só deveremos sair de casa por
motivos imperiosos – os ligados às atividades essenciais.
E
pelo que sei, cortar cabelo não faz parte desse rol.
Daí
que, não apenas o meu cabelo já estava para lá de comprido, como, também,
faltava muito pouco para que as minhas costeletas fossem confundidas com
suíças.
Pois
adivinha, amigo leitor, qual foi a situação arriscada que tive que encarar
ontem? Sabedora de que fico bastante incomodado quando as costeletas se
avolumam, minha esposa se ofereceu para apará-las.
E
gelei mais uma vez!...
Não obstante o tremendo arrepio, o
jeito foi aceitar que ela se aventurasse de novo. Só que desta vez, manuseando
uma tesoura para unhas, pois me livrei daquele cortador tão logo surgiu ocasião.
Depois de alguns minutos, e de muita
tensão, o saldo até que foi satisfatório. – Ufa!
De outra parte, tudo indica que a
vacina contra a covid-19 demorará, em que pese já divisarmos luz no fim do
túnel.
Por
consequência, o isolamento social provavelmente será mantido, mesmo que
flexibilizado.
Disso
resulta que a barbearia, que já estava com as portas fechadas, talvez nunca
mais reabra. – espero esteja enganado!
Seja
como for, o meu cabelo continuará a crescer.
Diante desse quadro, prevejo mais um
risco, e por certo muitíssimo maior que o anterior: E se minha esposa ficar
empolgada com o sucesso obtido com as costeletas e decidir estender o seu pequeno
triunfo?
Bem,
se isso acontecer, de duas, uma: Ou submeterei a minha basta cabeleira à sua
tesourinha, ou terei que me acostumar a ir dormir no sofá. – Conhecendo-a como
a conheço, não há uma terceira hipótese.
No entanto, por medida de precaução, antecipo que preces envolverão cada uma de suas tesouradas. É que seria terrível descobrir ao final uma escadaria serpenteando minha cabeça.
por Dias Campos__
E não é que, conforme escreveu Platão (Protágoras), o objeto deste Concurso
Literário foi uma das enviadas por Zeus à Terra, quando o senhor do Olimpo compadeceu-se
do caos em que viviam os mortais, após terem recebido o fogo que Prometeu
roubara de Hefesto?
É que, muito antes de Ulisses ter saqueado a sua
primeira cidade, Pudor, a divindade que representa a dignidade humana, e Dice, a deusa da Justiça, tiveram que baixar a
este vale de lágrimas a fim de pelejarem pela nossa educação.
Em outras palavras, nas do Detentor
da Égide, aqueles valores supremos devem ser distribuídos aos homens igualmente, “pois as cidades não poderão
subsistir, se o pudor e a justiça forem privilégio
de poucos”.
Nesse sentido, eu pergunto: Sendo
esse valor universal, qual a porcentagem de seres humanos que podem afirmar
verem a sua dignidade respeitada?
O conjunto é amplo demais? Não tem
problema. Vou reduzi-lo
Que tal?... o nosso amado Brasil? Pois bem,
refaço a pergunta: Quantos de nós, brasileiros, podemos afirmar vermos realmente
respeitada a nossa integridade?
Pois é, amigo leitor, não basta termos erigido a
dignidade humana a núcleo essencial dos direitos fundamentais, como quis a
nossa Constituição Federal de 1988, pois, como bem vaticinou Camilo Castelo
Branco, “A dignidade, quando a paixão lhe sái do rosto, agacha-se, e deixa-se
sovar aos pés,...”
Só que eu não quero ver sovada a minha
dignidade; nem a dos meus irmãos em Humanidade!
Daí que conclamo o povo brasileiro a nos imbuirmos
da paixão a que se referiu o poeta, a fim de lutarmos, cada qual no meio em que
melhor atua, para que a dignidade humana seja estendida para todo o território
nacional; e deste, para o mundo inteiro!
Eu lutarei por meio da literatura.
E você, leitor amigo, de que modo nos ajudará?
Dias Campos - Destaque Literário 2020, concedido pela Mágico de Oz; Embaixador da Literatura, título concedido pela Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências-COBLAC, 2020; Ambassadeur Honneur et Reconnaissance aux Femmes et Hommes de Valeur, título concedido pelas Luminescence Académie Française des Arts, Lettres et Culture – Literarte, 2020; Destaque Cultural 2019; Destaque Social 2019; Embaixador da Paz; e Comendador da Justiça de Paz, com a Comenda Internacional Diplomata Ruy Barbosa “O Água de Haia”, os quatro títulos conferidos pela Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH, 2020; Prêmio Internet Coblac – Corte Brasileira de Letras, Artes e Ciências, 2020; Destaque Literário no 32º (2020) e no 28º (2018) Concurso Literário de Poesias, Contos e Crônicas, promovido pela Academia Internacional de Artes, Ciências e Letras a Palavra do Século 21 – ALPAS – 21; ganhador do Troféu Destaque na 7ª Edição do Sarau Musical Cultural, 2019; Menção Honrosa no Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes – 2019; Selo Destaque do mês de agosto, conferido pelo site Vozes da Imaginação, 2017; autor do romance A promessa e a fantasia (Promise and fantasy), ambas as versões em Amazon.com.br, 2015; “Embajador de la Palabra”, título concedido pela Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, 2014; 2010; autor do romance As vidas do chanceler de ferro, Lisboa: Chiado Editora; Colunista do Jornal ROL; do (atual) site Cultura & Cidadania; do Portal Show Vip; e do (atual) portal Pense! Numa notícia; autor de diversos textos literários; autor e coautor de livros e artigos jurídicos.
por Dias
Campos__
Conversava, há pouco, com um amigo
ao telefone. A certa altura, perguntei se ele teria alguma dica que me ajudasse
a dormir, pois tive insônia na noite anterior e queria garantir uma noite
revigorante.
Ele
respondeu que bastava ir de carona com a sogra ao supermercado.
Eu
ri, mas insisti no pedido.
E
ele teimou na resposta; e pediu que prestasse atenção.
Esta
indicação, faço questão de compartilhar com você, amigo leitor, sobretudo nestes
tempos de confinamento, em que rir é o melhor dos medicamentos.
Em um determinado sábado, sua sogra
teve a ideia de ir visitá-lo pela manhã. Na realidade, o que ela pretendia era rever
a filha e o neto, e pedir para que ele a levasse ao supermercado, quando,
então, faria dele o seu carregador.
Antes de responder, meu amigo
resolveu consultar sua esposa com um simples golpe de vista.
Mas como ela permanecia de braços
cruzados, sobrancelhas levantadas, e com a cabeça levemente inclinada para
frente, alternativa não teve senão a de aceitar o pedido, buscando encobrir o
sorriso amarelo.
No
entanto, como não digerisse o terrível ônus de mão beijada, aproveitou a
oportunidade para economizar combustível, justificando que teriam que ir com o carro
dela, pois o seu estava mais sujo que um utilitário recém-saído de um rali.
Partiram
logo depois do almoço. Ele foi no assento do carona, pois sua sogra jamais admitiria
que dirigisse a sua preciosidade.
Só
que sua sogra nunca foi uma condutora exemplar. Daí que toda vez que ela
cometia uma barbeiragem, além de ter que engolir as frases solidárias que
vinham dos outros motoristas, ela ainda teve que aguentar os seus olhares que,
vindos de esguelha e acompanhados de um levíssimo sorriso, incomodavam bem mais
do que o linguajar alheio.
Por
óbvio que a alegria se manteve durante as compras, pois sua sogra se esforçava para
agir como se nada tivesse acontecido, e ele se desdobrava para não rir a cada
vez que trocavam palavras.
O
retorno não foi menos monótono que prazeroso.
Sua
sogra se despediu em torno das dezenove horas. E se você acha que ela saiu
muito tarde, bem mais tarde teria saído se tivesse ficado para o jantar!
Quando
foi para a cama, ensaiou relatar para a esposa todas as imprudências,
imperícias e violações que sua mãe tinha cometido, sobretudo as que foram registradas
pelas câmeras do CET.
No
entanto, como sua esposa estava exausta, e morrendo de sono, o jeito foi deixar
o relato para o dia seguinte.
Mas
como o sono não vinha, resolveu refazer mentalmente a ida e a volta até o
supermercado.
E
a cada vez que se lembrava dos votos de felicidade que sua sogra recebia dos outros
condutores, que calculava os pontos que acumularia na carteira de motorista, e
que estimava o valor que teria que desembolsar para pagar as multas de
trânsito, mais sorridente ficava, mais seu corpo relaxava, e mais sua alma se
preparava para uma noite de belos sonhos.
Daí
foi só virar de lado, e dormir o sono dos justos.
Depois
de rirmos, eu agradeci a sugestão, mas dela declinei, pois além de gostar muito
da minha sogra, era obrigado a confessar que ela dirigia muito melhor do que eu.
O jeito seria apelar para os barbitúricos, caso a insônia retornasse.
Aconselhou,
então, que usasse esses venenos só em último caso, pois sempre ouviu dizer que
diminuíam o tempo de vida.
Sendo
assim, ouso abusar da sua paciência, leitor amigo, e peço uma indicação. Por
acaso você sabe de alguma mezinha que me ajude a dormir?