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por Alexandra Vieira de Almeida__


por Taciana Oliveira___



 por Iaranda Barbosa__







Abayomi

 

Se uma mentira dita mil vezes se torna uma verdade, o que dizer de uma mentira contada, repetida e legitimada durante exatos 133 anos? O 13 de maio de 1888 não representou nem representa a libertação dos povos africanos escravizados. Tampouco a Princesa Isabel é o símbolo maior de salvação e luta abolicionista. Diversos são os mecanismos de força e opressão utilizados pelos grupos que sempre estiveram no comando e almejam perpetuar a hegemonia do poder. Seja por meio de ferramentas explícitas seja por estratégias subliminares, o pensamento dominante criou a imagem do povo preto sob inúmeros estereótipos, demonizando-a, inferiorizando-a, incapacitando-a. Logo, a sociedade reforça e reproduz discursos pautados, sobretudo, no embuste da adaptação da mão de obra negra em detrimento da indígena e na figura da herdeira de Dom Pedro II enquanto a grande redentora dos negros escravizados.


É na contracorrente dessas falácias, ainda hoje contadas e reforçadas por alguns livros de História e nem sempre discutidas nas salas de aula, que surge a Antologia das Mulheres Pretas, uma edição publicada pelo Selo Mirada Editorial, destinada a reunir mulheres pretas conscientes da ancestralidade e das heranças deixadas por guerreiras tais quais Dandara e Tereza de Benguela. Nesse sentido, o encontro aqui promovido surge enquanto manifesto, repúdio, repulsa, recusa para com a distorção, a falta de respeito, a não valorização da nossa história e a negação da nossa cultura. Logo, a Antologia das Mulheres Pretas não surge para comemorar esta data, mas sim para trazer reflexões, inquietações e discussões a respeito de infindáveis problemáticas a ela relacionadas.


Sob a temática “Liberdade”, cuja concepção abarca diversos sentidos e significados, mulheres de todas as partes do país deixaram registradas suas inquietações e visões de mundo através de materiais inéditos produzidos sob a forma de prosa, poemas, fotografias e ilustrações. Espaços como este são de extrema importância para que contemos nossas próprias histórias e pratiquemos o que Conceição Evaristo denomina de escrevivências. É imprescindível ouvirmos nossa própria voz e as vozes de outras mulheres com experiências e concepções de mundo diversas para que possamos compartilhar vivências, pensamentos e sentimentos, a fim de convergir para diálogos e aprendizados sem perder de vista a luta contínua e árdua contra as mais diferentes e cruéis formas de discriminação.


Lutamos por sermos mulheres, lutamos por sermos pretas, lutamos, novamente recorrendo ao pensamento de Conceição Evaristo, para forçar passagens e ocupar espaços a nós ampla e historicamente negados por uma estrutura racista, patriarcal, sexista e misógina que a todo momento cria estratégias e se utiliza de instrumentos para impedir nossa ascensão social, política, intelectual, econômica.


É exatamente por sermos conscientes desses sistemas opressores que decidimos nos unir e criar um espaço nosso, onde possamos nos expressar, utilizando nossas produções como arma libertária. Através da nossa arte mais e mais mulheres podem ouvir nossos gritos, protestos, louvores e apelos e compreender que eles são um convite para que elas também se juntem à luta. Locais de comunhão promovem o autocuidado, o amor próprio, a autoestima, o olhar sobre si mesma. Nesse sentido, a Antologia das Mulheres Pretas se propôs a disponibilizar gratuitamente os textos aqui selecionados, para que o número de pessoas seja cada vez maior. Dessa maneira, ampliamos o movimento simultâneo de nos aquilombar e expandir para irrompermos novos espaços e conquistarmos ainda mais a liberdade de corpos, cabelo, pensamento, espírito, voz, ação, enfim, para que alcancemos o rompimento de todas as grades, mordaças e amarras seculares que tentaram nos aprisionar, nos invisibilizar e nos silenciar em meio aos mais variados âmbitos. 


            Axé.


Iaranda Barbosa


20 de abril de 2021

 

Organização & Curadoria


Iaranda Barbosa

Liliana Ripardo

Juliana Berlim

 

Idealização 


Argentina Castro



Capa


Deborah Dornellas 



 

Revisão


Carla Vilella de Mattos 



Diagramação


Rebeca Gadelha

 

Autoras (Prosa/ Poesia)


Facetas de liberdade – Amanda Izaias da Silva

Respiro – Lenita Ramos Vasconcelos

Eu poeta - Natália Pinheiro

Reflexões  - Isabete Fagundes

Verdade e liberdade - Gabriella Poles

O sequestro – Alessandra Barbosa Adão

Quando existir é subverter – Desirée Simões

Poderosa filha Malkia – Sheila Martins

Liberdade às Yabas - Delma Gonçalves 

Alguém viu a liberdade - Fátima Farias

 

Ilustrações/Fotografias


Iansã – Gilda Portela

Ensaio "Toda nudez será castigada"– Amanda Cardoso

Danielle dos Anjos

 

Autoras Convidadas


Celeste Estrela (prosa)

Deborah Dornellas (ilustrações)

Lilia Guerra (prosa)

Taylane Cruz (prosa) 


Download: aqui


 

 

 

por Taciana Oliveira___

 


 


 por Juliana Berlim__




por Juliana Berlim__

Selva Almada esteve no Brasil em 2018 para o lançamento nacional de seu livro Garotas mortas (Editora Todavia), tradução do original argentino "Chicas muertas" de 2014. A obra pretende acompanhar os desdobramentos de três assassinatos de jovens argentinas entre as décadas de 80 e 90 (Andrea Danne, Maria Luísa Quevedo e Sarita Mundin). Nenhuma delas era portenha e todas provinham de famílias da classe trabalhadora e/ou dirigidas por mulheres. Todas com idades entre quinze e vinte anos. O alijamento socioeconômico contribui, infere -se, na irresolução dos crimes. Almada, ela mesma uma jovem do interior do país, criada em uma cidade vizinha à da família de uma das vítimas, persegue essas histórias e refaz as pegadas deixadas pelas investigações conduzidas. Vasculhando os detalhes dos inquéritos, entrevista familiares, ex-namorados, amigos, vizinhos, conhecidos, qualquer um que permita a elucidação dos crimes ou lance nova luz ao obscurantismo dos acontecimentos de antanho.
Como técnica narrativa, Almada emprega a autoficção em conjunto com uma forma sincopada de jornalismo literário, já que a autora recusa sistematicamente a seus interlocutores a alcunha de "jornalista". Ela é sim uma escritora atormentada pelos fantasmas dos assassinatos de mulheres que, por serem tão próximas, poderiam ser qualquer conhecida, qualquer uma de nós. Este efeito aproximativo cria a vinculação pretendida pela autora para nos fazer perceber que os crimes contra o gênero afetam-nos mais diretamente do que a imagem plasmada, fria de uma notícia de jornal possa fazer perceber. Ela observa igualmente a inexistência, à época das mortes das jovens, do termo "feminicidio". O neologismo aponta para novos modelos de sociedade em que se entende a urgência do cuidado quanto à condição feminina, a qual, como Almada apresenta diversas vezes em seu livro, é ainda entendida como terreno livre para a consumação dos desejos e das perversões masculinas. O corpo da mulher é, em suma, um eterno campo de batalha.


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Juliana Belim é professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Pedro II. Conduz no mesmo colégio, o projeto de iniciação científica Neuromancers, de leitura e pesquisa sobre romances de ficção científica, bem como faz parte do corpo docente da pós-graduação Lato Sensu Ererebá – Educação Étnico-Raciais no Ensino Básico. Participou de três edições da FLUP – Festa Literária das Periferias, com a publicação de quatro contos no total.



por Juliana Berlim__


Zerstörung einer Illusion,’ 1977 © Karin Mack / SAMMLUNG VERBUND.


O brasileiro médio acorda, escova os dentes, toma café, sabe de uma tragédia e vai trabalhar. Mas se o brasileiro médio fosse uma brasileira média e tomasse conhecimento de uma tragédia logo de manhã, é bem provável que engolisse seu café a frio: desde o começo de 2019, não houve um único dia sem a notícia de uma morte de mulher.


Por Juliana Berlim___

A vegetariana de Han Kang (Editora Todavia, 2018)


A literatura, por vezes, emerge de sonhos. Seja da perturbação noturna de Gregor Samsa em A metamorfose de Franz Kafka, seja, dilatando a ideia de literário, da sequência onírica expressiva da peça O sonho, do dramaturgo sueco August Strindberg, o texto poético vem fazendo uso há bastante tempo da ocorrência de sonhos como solução, explicação ou mesmo justificativa de fenômenos que soam inexplicáveis do ponto de vista do realismo. A autora sul-coreana Han Kang parte de premissa semelhante: coloca sua protagonista, Yeonghye, dominada pela forte impressão deixada por uma série de sonhos terríveis que a levam a não querer mais comer, cozinhar, servir ou comprar carne. Graças a esta simples tomada de decisão, súbita e absolutamente pessoal, a moça, bem como os leitores, é levada a (re)conhecer o machismo, a indiferença e a brutalidade das pessoas que a cercam.
Yeonghye passa por um processo voluntário de abandono do humano, em trânsito entre os reinos animal, vegetal e mineral. Mas, combinado a ele, temos o processo de desumanização paralelo conduzido por seus parentes, que vão deixando claro a funcionalidade de Yeonghye em suas vidas, mostrando-a, na maior parte dos casos, como peça-chave em seus processos de ascensão social. A Yeonghye esposa e filha de jovem promissor da malha urbana de Seul é conveniente e, portanto, tolerável. A partir do momento em que o radicalismo de seu vegetarianismo atrapalha as conveniências de suas relações conjugais e familiares, percebe-se o quanto a personagem está envolvida em uma malha de manipulação patriarcal que culminará em seu isolamento social.
O recurso narrativo empregado por Kang é não dar voz, em nenhum momento, à própria Yeonghye. Até que ponto a moça está louca? Mas o livro não se debruça sobre o desequilíbrio mental (aos olhos dos que cercam a protagonista), e sim sobre os efeitos da atitude de recusa da jovem em ser uma mulher onívora. Dos três relatos nos quais se divide o livro, o último é o mais próximo da anima da personagem, justamente o da irmã mais velha e fisicamente muito parecida com Yeonghye, metáfora para o espelhamento contínuo entre as duas irmãs realizado pelas demais personagens. Perceba-se aqui a desintegração e a reintegração de uma na outra.
Que a história desta Bartleby sul-coreana, até mais reativa e violenta que seu original, possa sensibilizar os leitores brasileiros para a boa literatura produzida na Coreia do Sul atualmente (como Sukiyaki de domingo, de Bae Su-ah, lançado no Brasil pela editora Estação Liberdade), em especial no tocante à condição da mulher na sociedade sul-coreana contemporânea.
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Juliana Belim é professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Pedro II. Conduz no mesmo colégio, o projeto de iniciação científica Neuromancers, de leitura e pesquisa sobre romances de ficção científica, bem como faz parte do corpo docente da pós-graduação Lato Sensu Ererebá – Educação Étnico-Raciais no Ensino Básico. Participou de três edições da FLUP – Festa Literária das Periferias, com a publicação de quatro contos no total.

por Juliana Berlim__


   A vida humana é pautada por muitas entradas e saídas. 2018 foi um ano em que entrei em muitos espaços e permiti que me fizessem de porto em diversas ocasiões. Esses haveres somados e trocados fundam planetas em que gostamos de morar. Foi através de uma excursão pela galáxia da literatura que entrei em contato com o Selo Editorial Aliás, um coletivo feminino majoritariamente de Fortaleza (mas também do Recife e do Rio de Janeiro) que lançou chamada nacional para contos em torno do tema "A cidade e os desejos". Assim que vi a proposta, soube que meu conto "7x1", produzido no âmbito do processo de formação de escritores da Festa Literária das Periferias (FLUP) - projeto ninjitsu- poético- afrofuturista capitaneado anualmente na capital fluminense pela dupla Ecio Salles e Julio Ludemir - casaria à perfeição, pois nele há isso: a cidade do Rio de Janeiro e seu desejo de pulsar via sexo. Seleção feita, eu e outras vinte e quatro mulheres figuramos falando das vicissitudes do ser feminino, sua pletora de sulcos, invaginações e resistências.
Fórum das Minas
  Resistência é a palavra de toque do planeta mulher. Com isto em mente, a Aliás lançou ainda em 2018 "Boca de cachorro louco", romance testemunhal de Kah Dantas, resposta literária às consequências de um relacionamento abusivo. Anna Karine Lima, uma das mulheres- Aliás, anunciou que Kah estaria no Rio e ofereceu uma conversa com a autora a quem se interessasse. Ofereci a palestra as minhas colegas professoras do Colégio Pedro II, que, através do projeto Fórum das Minas, permitiram que Kah expusesse sua escrita e sua experiência de vida a nossos alunos secundaristas.
  A parceria com a Aliás se consolidou em novembro, com a encomenda de uma zine. Assim surgiu "Formas quentes de beber", escrita no calor do momento, elétrica, desprogramática, musical, meu primeiro trabalho totalmente solo, voo rasante para os domínios de outra órbita. Eis que, em um ano tão frutífero, em que encaminhei um projeto de escrita literária decididamente profissional, com publicações em diferentes editoras independentes (além da Aliás de Fortaleza, a Lendari de Manaus, a Metanoia do Rio de Janeiro, em breve a Calamares de Belo Horizonte), o pontapé inicial desta jornada aconteceu ainda em janeiro, ao lado destas amazonas nordestinas, sigrando a poeira das estrelas de novos começos, tanto elas como eu. Lembro do meu primeiro encontro com Anna Karine e Davila, no salão LER, para lançarmos o "As cidades...", sem que pudesse saber àquela altura que os nomes delas e os de Taciana (cineasta pertencente ao coletivo Aliás) se incorporariam tão firmemente a meu imaginário. Mas é bem isso o que acontece quando se desfralda o Universo em aventura exploratória: on fait connaissance.