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por Adriane Garcia___
Maria
Tereza, protagonista de Canção sem palavras (ed. Scriptum),
mais novo romance de Laura Cohen Rabelo, é uma musicista,
violonista, filha de um famoso e requisitado luthier. Tendo vivido no
universo da música desde seu nascimento, Maria Tereza se torna uma
virtuose do violão. A narrativa se concentra especialmente no
período de estudos universitários de Maria Tereza, na Escola de
Música em Belo Horizonte – quando já fazia concertos em um duo de
cordas, com o namorado Arie — e no primeiro ano após a formatura.
Dos
conflitos e angústias comuns aos jovens assim que deixam a
faculdade, Laura Cohen dá atenção especial à questão da vocação
e da escolha de um projeto de vida. Tanto Arie quanto Maria Tereza
entrarão em uma crise que coloca em dúvida não só o lugar que a
música ocupa em suas vidas, quanto o lugar deles próprios na
relação amorosa. É nesta crise que surgirá a viagem. Tanto Maria
Tereza quanto Arie são filhos de mães judias e têm a possibilidade
de fazer o “birthrigth”, um programa de turismo educativo
para fortalecer a identidade judaica e colocar em contato jovens
judeus de todo o mundo com os israelenses.
Ao
partir para Israel, em um grupo de quarenta jovens, Maria Tereza
empreenderá uma viagem surpreendente e — aqui o grande mérito de
Laura Cohen — o leitor irá junto.
Chama a atenção em Canção sem palavras a fluidez do texto e a forma quase matemática (como a música) em que a narrativa vai se dando. Há um ritmo de imersão para o leitor. Nada é dado de mais ou de menos, a leitura alcança uma verossimilhança total. Laura Cohen é profunda observadora de seus personagens, flagrando suas nuances e pensamentos. Tendo escolhido contar a história na terceira pessoa, mas no tempo verbal do presente do indicativo, Laura Cohen coloca seu narrador “colado” à sua protagonista, tanto que, no fim das contas, o leitor sabe que Maria Tereza existe, que pode ter passado por ela alguma vez e até lamenta não ter ido a um concerto seu.
Chama a atenção em Canção sem palavras a fluidez do texto e a forma quase matemática (como a música) em que a narrativa vai se dando. Há um ritmo de imersão para o leitor. Nada é dado de mais ou de menos, a leitura alcança uma verossimilhança total. Laura Cohen é profunda observadora de seus personagens, flagrando suas nuances e pensamentos. Tendo escolhido contar a história na terceira pessoa, mas no tempo verbal do presente do indicativo, Laura Cohen coloca seu narrador “colado” à sua protagonista, tanto que, no fim das contas, o leitor sabe que Maria Tereza existe, que pode ter passado por ela alguma vez e até lamenta não ter ido a um concerto seu.
Outro
fato notável é que aqueles que não conhecem Israel ficam com a
sensação de já terem ido lá, ainda que em sonho, enquanto leem o
romance de Laura Cohen. Se a melhor literatura de viagem é aquela em
que o leitor sente o que sente o viajante, fica próximo de outra
cultura, ganha informações que pertencem a campos distintos do
conhecimento, desenha em sua imaginação o cenário proposto a ponto
de parecer ter pisado nesse outro território, Laura Cohen a cumpre
em Canção sem palavras.
Além
do universo da viagem, o romance traz dilemas intrínsecos aos
músicos e aos estudantes de música. Como se já não fosse o
suficiente, o leitor curioso encontrará uma espécie de “playlist”
para ouvir, já que Maria Tereza em seu percurso de estudos vai nos
mostrando o nome de grandes obras e compositores.
Canção
sem palavras é um romance múltiplo, com personagens completos e
complexos, demasiadamente humanos, procurando seu caminho no deserto.
Da crítica geopolítica à condição feminina e à consciência do
mito da masculinidade, do sucesso profissional ao sentimento
constante de precariedade e da perecibilidade das coisas. Sutilmente,
o lugar da viagem — um país jovem numa terra inóspita, que ameaça
e é ameaçado – é também metáfora: “Ela tem a impressão
de que tudo é frágil e vai acabar ruindo em pedaços um dia.”
“O
homem sem cidade ou é um deus ou é um monstro. Ela tem a impressão
de que tudo é frágil e vai acabar ruindo em pedaços um dia. O que
a salva dessa impressão sedutora e quase confortável de um fim
violento é a rotina. Mais do que tudo, ela ama a rotina. Há os dias
bons e os dias ruins, e isso ela pode controlar. Acorda, estuda, vai
ao restaurante, trabalha, sai mais cedo quando tem aula de violão ou
ensaio com o quarteto, volta para casa, estuda, toma um banho, lê,
dorme. Sente que está avançando muito no violão, como se algum nó
de aprendizado tivesse finalmente se desfeito, e agora ela gasta todo
o tempo que tem para tocar tocando, e não se refestelando nas
angústias em que se envolvera no Brasil depois que Arie foi embora.
O que era uma promessa de ficar melhor finalmente tinha ficado
melhor, e ela se lembra da melhor parte dos seus dias, o estudo, a
rotina.
Anda
muito a pé e pega a bicicleta do tio Jacques e pedala por todas as
partes. Gosta de ver os judeus religiosos caminhando pela rua, gosta
de passar entre eles, atravessá-los como o presente atravessa o
passado. Os mais moços olham, às vezes sorriem como crianças
tímidas. Bochechas coradas, homens puros. O sonho de toda religião
é manter todos nós como crianças para sempre, sempre puros e sem
erro. Vai enrolando para entrar no curso de hebraico, mas aprende aos
poucos com a tia Deborah.
— Você não sabe de nada — diz a tia enquanto mexe a panela de molho de tomate. — Seu tio Jacques brigou com seu avô não porque ele queria ir para Israel e ele não deixava. Seu tio Jacques saiu de casa porque ele é gay. Sua mãe não te conta as coisas direito, conta?” (p. 192/193)
— Você não sabe de nada — diz a tia enquanto mexe a panela de molho de tomate. — Seu tio Jacques brigou com seu avô não porque ele queria ir para Israel e ele não deixava. Seu tio Jacques saiu de casa porque ele é gay. Sua mãe não te conta as coisas direito, conta?” (p. 192/193)