por Quiercles Santana__
Estação São Bento no Porto/Portugal |
Rosenbud,
as coisas retornam, feito num filme. De algum lugar distante, dentro
da gente, arquivos velhos perdidos no HD, elas voltam com força,
como se tivessem sido registradas há pouco. Saltam de uma
fragrância, de um livro, de uma fotografia rasgada ao meio num
momento de fúria.
1. A
manhã em que desci na Estação São Bento no Porto/Portugal,
levando um espetáculo de teatro que ajudei a parir. Fazia frio e o
sol tingia de laranja as fachadas dos prédios antigos. Eu estava
feliz que só. Comprei um Henri Miller numa feira de livros usados,
ao pé da estação, como eles dizem por lá;
2. 1976.
Meu pai desolado com o assassinato de seu irmão Dudé, meu
padrinho, em Volta Redonda (nunca mais esqueci esse nome). As
pessoas convencendo-o a sair do carro por que só se podia agora
lamentar, o mal feito já tinha sido feito. Recostadas no volante,
suas mãos trêmulas e a cabeça fervendo de angústia e dor;
3. A
primeira vez que subi no palco de um teatro (1992) com direito a
refletores e cortina. Fazia o personagem mais estúpido da “Farsa
do Pathelin”. Teatro José Carlos Cavalcanti, no Derby. Minhas
pernas tremelicando no escuro da coxia pouco antes de entrar em
cena;
4. Eu
com 8 anos. Minha mãe com Vick Vaporub numa noite de tosse e febre
alta (sua mão cálida enxugando a minha testa, sua voz mansa
dizendo “tudo vai ficar bem, meu amor");
5. Minha
ex-sogra uma vez no inverno. Eu, molhado da cabeça aos pés, abro a
porta da sala, vindo frustrado da rua (tinha passado o dia a procura
de trabalho e recebido um não atrás do outro). Ela estava junto ao
fogo, mexendo a panela: “meu genro querido, fiz uma sopa adubada…
vai ou fica?” Logo depois, debaixo do chuveiro, sentindo um misto
de alegria e frustração, entalado, eu choro baixinho, agradecido
por não estar sozinho na tormenta. E, em seguida, eu todo animado,
rindo alto na mesa, o mesmo cara que chorava há pouco, sorriso de
canto a canto (por que a vida pode ser dura, irmão, mas pode ainda
assim guardar algum alento. E é preciso aprender a celebrar as
vitórias, por mais insignificantes que elas possam parecer, não é
isso?).
Entenda.
Nada disso diz muito. Mas ao mesmo tempo diz. Ainda não sei bem o
porquê, mas me ajudam a entender meu percurso, enquanto atravesso
esse confinamento sem fim. Agradeço mais uma vez o seu carinho e sua
boa vontade em me ouvir. Força aí na sua quarentena. Estamos
juntos.
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Quiercles
Santana é arte-educador, ator, encenador, dramaturgo e professor
de teatro, formado em Educação Artística com Habilitação em Artes
Cênicas pela UFPE Fez parte do corpo
docente de diversos projetos sociais, a exemplo do Projeto Santo
Amaro (da Escola Superior de Educação Física/ESEF-UPE), do Projeto
ReVersus (da UFPE), do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI/Projeto Teatro do Oprimido) e do Programa de Animação
Cultural (este último em parceria com o ex-Padre Reginaldo Veloso e
Fátima Pontes, na Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade
do Recife, durante a gestão de João Paulo). Foi diretor artístico
da Trupe Circos, da Escola Pernambucana de Circo (Circo Social).
Trabalhou seis anos na Diretoria de Políticas Culturais da Fundarpe.
Dirigiu diversos espetáculos entre eles: Olhos
de Café Quente, do Nútero de Criação Artística;
Alguém Pra Fugir Comigo, do Resta 1 Coletivo de Teatro;
e Espera o Outono, Alice, do Amaré Grupo de Teatro;
Berço Esplêndido, do Grupo Panorama de Teatro; e
Balbúrdia, da turma profissionalizante da Companhia
Fiandeiros de Teatro. Foi
gerente do Teatro de Santa Isabel de 2015 a 2017. Estreou como
documentarista em 2013, no filme “Contos
Ruas Casa & Quintais”, filme que registra fragmentos
de memórias de pessoas idosas, residentes em Recife. É analista de
projetos culturais.
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por
Adri Aleixo
O pintassilgo
Eu,
tão mineira querendo falar sobre o mar
o
mar e a ideia do eterno retorno
dia
desses me perguntaram se lá em casa havia quintal
—
minha
mãe criava porcos
meu
pai plantava cana, eu disse
mas
esse fato também não é a garantia de uma boa história.
Há
uma forma indefinida pela qual passamos a pertencer a algo
assim
como pertencemos a certas histórias só de ouvir contar.
A
caçula chegou em casa e soube que o mais velho havia ganho um
prêmio
de redação
O
título. O pintassilgo.
Ela
mal conhecia os pássaros e de repente ouvia sobre voar no
pintassilgo
essa
ave que canta e dança a rodear o dia
algo
como pintar o céu com suas asas e assim
pertencer
ao céu de alguém
estar
livre e voltar a casa
ao
ninho
como
agora o espevitado pássaro fizera ali
no
meio da sala.
As
coisas aparecem sem a perspectiva de sua fugacidade
algumas,
retornam
Adri
Aleixo publicou Des.caminhos (2014) e Pés (2016),
ambos pela editora Patuá. Em 2019 publicou Das muitas
formas de dizer o tempo, com imagens de Lori Figueiró, pela
editora Ramalhete. É professora de Linguagens e mestranda em
Literatura Brasileira pelo CEFET-MG.
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por Rebeca Gadelha___
Curadoria: Taciana Oliveira
Esta zine surge da necessidade de movimento e da impossibilidade de continuarmos a ocupar as ruas, muros e repartições com arte, transportamos esta ocupação para o mundo digital. A proposta aqui é trazer a arte de isolamento para isolamento a fim de nos manter conectados não apenas com os outros, mas com nós mesmos. Dito isso, é traremos vários autores e autoras que, com seus versos, prosas, fotografias ou ilustrações nos falem sobre a poesia que (in)existe nesses dias em que quase esquecemos como é estar do lado de fora.
Rebeca Gadelha
Você
pode fazer o download desse arquivo: INTERNET ARCHIVES
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Tito
Leite (Cícero
Leilton) nasceu em Aurora/CE (1980). É autor do livro de poemas
Digitais do caos
(Edith,
2016) e Aurora de Cedro (Editora
7Letras,
2019). Poeta e
monge beneditino, é mestre em Filosofia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Curador da Revista
Gueto.
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Rebeca
Gadelha nasceu
no Rio em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia dos
avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é
apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de
avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi
responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual
em Manifesto Balbúrdia
Poética: 80 tiros (CJA
Editora),
Coordenação,
Designer e ilustrações em
Laudelinas (Editora
Nada Estúdio Criativo),
participa
da coletânea Paginário,
publicada
pela Editora Aliás.
Atualmente
escreve para as revistas do Medium
Ensaios sobre a Loucura
e Fale com Elas sob
o pseudônimo de Jade
.
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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.
por Taciana Oliveira __
Outro
mar é um ensaio fotográfico
produzido no ano de 2011, nos estados do Maranhão, Ceará e Piauí. O
fotógrafo mineiro, Patrick
Arley, nos oferece um registro
documental, um olhar poético sobre uma estrutura social e cultural
do sertão nordestino. Esta é a primeira série, de um total de
três, que iremos apresentar sobre o olhar etnográfico de
Patrick Arley.
Ensaio Outro Mar/Fotografia: Patrick Arley |
por João Gomes_
Hoje
se comemora os 77 anos do lançamento do livro "O
Pequeno Príncipe", de
Antoine de Saint-Exupéry,
para comemorar com um capítulo a mais, o escritor e cineasta Wilson
Freire lançou hoje um documentário sobre um dos colecionadores da
obra, o pernambucano Jaime Junior. Segue um trecho do depoimento do
diretor do filme, Wilson Freire, para o Mirada: “Fui
com a equipe de um cineasta só. Eu, tripé, uma steadicam manual,
para smartphone e um rebatedor. Esse equipamento, o smartphone, nos
dá essa possibilidade de sermos independentes, de não precisarmos,
para esse tipo de filme, em lugares pequenos, com luz ambiente, som
captado direto com um microfone lapela, também específico para o
aparelho, com um só personagem, principalmente sem nenhum recurso
financeiro de patrocínio, para pagar a outros profissionais.
Treinei, aprendi e pus em prática. Em uma manhã fizemos as
gravações e, logo em seguida, a edição. Tudo no smartphone.”
Wilson Freire, em um trecho da entrevista ao poeta João Gomes.
*A
entrevista completa você acessa aqui: João Gomes entrevista Wilson Freire e Jaime Junior
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João
Gomes
(Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias
impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.