por Luís de Barreiros Tavares_
Na estrada de Cintra, que cansaço da própria imaginaçãoÁlvaro de Campos
Domingo – 11/08/2024
1.1 Platão ensinou-nos que as parecenças e as aparências são da ordem do mais diverso e distante entre si. Mas, surpreendentemente, abriu-nos novos caminhos para o sentido do verdadeiro, e do ser.
1.2 No Schopping: é como se isto estivesse a decorrer, e nós planássemos. Consciência light.
1.3 Hoje, um indivíduo vê o desfilar das coisas nas redes sociais e nos media, e pensa: está esgotado. O esgotamento das imagens. E muitas vezes das palavras.
1.4 Vivo isto como se já tivesse sido.
1.5 Somos testemunhas e testemunhados.
1.6 “Danton — (vestindo-se) O tempo é que nos vai perder. Que aborrecimento! Primeiro a camisa, depois as calças, e à noite vai-se para a cama, e de manhã uma pessoa levanta-se outra vez, para pôr sempre um pé à frente do outro, sem qualquer perspectiva de mudança. É tão triste pensar que, antes de nós, já milhões fizeram isto, e o farão depois de nós.” (George Büchner, A Morte de Danton, trad. Maria Adélia S. Melo e Jorge Silva Melo)
1.7 Há o habitar o mundo e, ao mesmo tempo, uma problemática que consiste no facto de partilharmos com os nossos antepassados e com os mais próximos já idos, pela memória, um meio envolvente e uma realidade dos corpos. Algo que já foi com os mortos, quando eram vivos, e, ao mesmo tempo, é presente com os vivos. Quer dizer, os vivos repetem no seu presente algo que já foi, no passado. Entre inúmeros exemplos, o simples gesto de levar o comer à boca. Gestos que percorrem os humanos desde a noite dos tempos. Algo atravessa. O espírito atravessa (ele é sopro, vento, etc.).
1.8 “Tendo [Jesus] instruído através de um espírito santo os apóstolos que escolhera.” (Actos dos Apóstolos, 1:2)
1.9 A novidade não pára na condição de futuro como mercado.
Terça-feira – 13/08/2024
2 O forjado aconchego do mundo capitalista e do consumo.
2. 1 Somos embalados e embarcados nesses ritmos controlados pelo capital que lhes é subjacente. Mas, nessa medida, o tempo e os tempos tornam-se mercadoria. E nessa estrutura inscreve-se uma permanente ilusão de presente, de actualidade e actualização. Isto induz os sujeitos na aparência de um futuro já aí. Uma espécie de estado forjado de uma certa imortalidade. Daqui decorre a insensibilidade e indiferença generalizadas quanto às tragédias a todos os níveis. Desde que isso não nos toque a nós, os espectadores. Imunidade que se vale por um desgarramento fundamental da terra e do real. Não se indaga sobre as questões inquietantes e não respondidas do mundo.
2.2 Há qualquer coisa de robertos nas imagens, nas caras e nas falas nas redes sociais, na net em geral. E, claro, na televisão. Não por acaso, estou a lembrar-me dos robertos ou marionetas da Alegoria da caverna de Platão…
“Nós nunca vivemos tanto na caverna de Platão como agora. Hoje é que nós estamos de facto vivendo na caverna de Platão. Porque as próprias imagens que nos mostram da realidade, de tal maneira substituem a realidade.”
José Saramago
2.3 Eu acrescentaria: digamos que é antes uma dupla caverna…
2.4 Temos dificuldade em demorar-nos tranquilamente na penumbra.
2.5 “Penso num tigre, a penumbra exalta a vasta biblioteca laboriosa e parece afastar as prateleiras.” Jorge Luis Borges
2.6 O usuário viciado na sua ecrã-dependência encontra-se absolutamente focado no seu dispositivo: o smartphone. Mas esse enfoque é, paradoxalmente, a dispersão total.
2.7 A sociedade da dispersão.
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Dispersões filosóficas [I]
https://revistacaliban.net/dispers%C3%B5es-filos%C3%B3ficas-a465e6a7a016