por Adriano B. Espíndola Santos__
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A vitória , 1939 - por René Magritte |
Escutei,
ao longe, indícios. Logo o arrepio e o asco, feito unhas raspando a
parede lisa da sala, percorreram o meu corpo. O mal-estar iminente, a
galope, atravessava as entranhas e arrancava meu coração, boca
afora.
Era
real. Incrível. Mal pude acreditar, em pleno começo de ano. O
sujeito entrou e sentou, com louros, no mesmo espaço que eu. E aí?
Recolhi-me à insignificância de um mero trabalhador. Eu,
simplesmente, fui forçado a dividir o ar com um sujeito que detonou,
durante cinco meses, a minha vida e a da minha família. Que podia
fazer naquele estado de submissão? Repito, para me convencer, sou um
reles assalariado; e os ganhos valem mais a pena que a cordialidade,
humanidade, etc., etc., etc. E quando o dinheiro não valeu mais que
qualquer pessoa?
O
sujeito, por pura implicância, intrínseca desfaçatez, vinha
ganhando, aos poucos, a simpatia do patrão, que, coitado, pode
acabar se ferrando como eu me ferrei. E ele sabe; isso é o pior. Ele
acompanhou a minha tormenta, o desgaste sobre-humano irresistível
por que passei. Mas, sem fugir à regra, para o chefe foi um
grandíssimo mal-entendido. Ao passo que, assim, ele disse, em outras
palavras: “Você está pirando, rapaz”. E ri – ar blasé
derramado. E não consigo esquecer o mantra que ele adquiriu (pagando
caro) nos últimos tempos: “Controle emocional, Silvério! Controle
emocional, rapaz!”.
Estou
vendo, reparando a cara dos dois, que gracejam: “Grande negócio!”;
ainda mais, zombando da minha presença. Ganhos mútuos? Talvez. Ou
um pensando em ganhar um pouco do outro. A única certeza: nenhum
naquela sala estava absolutamente tranquilo, relaxado. Eu, por ter de
permanecer ali, como funcionário imediato, atado aos comandos do
chefe. E eles, com os seus blefes; treinamentos para controle
emocional; tons ponderados e toques milimetricamente calculados de
mãos; maneiras circunspectas que se olham, para transparecer
confiança, certeza e, por fim, vantagens recíprocas.
Tentei
me alhear, primeiramente, mas os sons aumentaram, sem controle.
Dispersei-me, completamente. Enquanto estavam lá, não conseguia
trabalhar.
Fui
arrastado e me espalhei; vaguei e aventurei-me a passear pela praia,
onde eu queria estar. Então, um chiste medonho me sugou à
realidade; outra frase de efeito, e, como bons e velhos conhecidos,
expertos em negócios, certificaram efusivamente que processo iria
continuar.
Quando
pensei que o sujeito ia despedir-se, virou-se, enfocou o patrão, e
articulou: “Aproveitando o ensejo, e o coworking?”. Meu
chefe, de braços abertos, sem o abraçar, quase o pegou no colo,
acolheu como quem acolhe um parente vivido anos no exterior, e
exclamou expansivo: “Ótima oportunidade!”, e desembestou a falar
que teria o maior prazer em recebê-lo e fazer parcerias; que
precisava de uma pessoa comprometida como ele, para desenvolverem
bons trabalhos; e o principal, claro que iria proferir: “Vamos
ganhar muito dinheiro em 2020!”.
O
embuste, enfim, se foi. Depois de passado o estorvo, da energia
pesadíssima que comprometia o lugar, pensei mais e desejei que o meu
chefe tivesse tino e sorte. Ele não tem o filtro natural para
despachar o mal-estar. Ele não sente. Já percebi. Sorte ou azar?
Não sei. Ele, infelizmente, tem a propensão para pensar em cifras,
números. E eu, que achei que podia livrá-lo dos absurdos
inconvenientes, não pude. Sou, além de tudo, impotente.
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Adriano
B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor do
livro Flor no caos, pela Desconcertos Editora, 2018. Advogado
humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para
se sentir vivo: o coração inquieto.